Hino à Tolerncia
Já
será grande a tua obra se tiveres conseguido levar a tolerncia ao espírito dos
que vivem em volta; tolerncia que não seja feita de indiferença, da cinzenta
igualdade que o mundo apresenta aos olhos que não vêem e às mãos que não agem;
tolerncia que, afirmando o que pensa, ainda nas horas mais perigosas, se coíba
de eliminar o adversário e tenha sempre presente a diferença das almas e dos
hábitos; dar-lhe-ão, se quiserem, o tom da ironia, para si próprios, para os
outros; mas não hão-de cair no cepticismo e no cómodo sorriso superior; quando
chegar o proceder, saberão o gosto da energia e das firmes atitudes. Mais a
hão-de ter como vencedores do que como vencidos; a tolerncia em face do que
esmaga não anda longe do temor; então, antes os quero violentos que cobardes.
Mas tu mesmo, Marcos, com que direito és tolerante? Acaso te julgas
possuidor da verdade? Em que trono te sentaram para que assim olhes de cima o
resto dos humanos e todo o mundo em redor? Por que tão cedo te separas de
compreender e de amar? Tens a pena do rico para o pobre, dás-lhe a esmola de lhe
não fazer mal; baixaste a suportar o que é divino como tu; e queres que te
vejamos superior porque já te não deixas irritar por gestos ou palavras dos
irmãos. Mais alto te pretendo e mais humilde; à tolerncia que envergonha
substitui o cálido interesse pedagógico, o gosto fraternal de aprender e de
guiar; não levantes barreiras, mas abate-as; se consideras pior o caminho dos
outros vai junto deles, aconselha-os e guia-os; não os deixes errar só porque os
dominarias, se quisesses; transforma em forte, viva chama o que a pouco e pouco
se dirige a não ser mais que um gelado desdém.
Agostinho da Silva,
in 'Considerações'
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