O nosso amor não é para nos amar,
para nos levar de repente ao céu,
a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra.
A vida às vezes mata o amor.
A "vidinha" é uma convivência assassina.
O amor puro não é um meio, não é um fim
, não é um princípio, não é um destino.
O amor puro é uma condição.
Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima.
O amor não se percebe.
Não é para perceber.
O amor é um estado de quem se sente.
O amor é a nossa alma.
É a nossa alma a desatar.
A desatar a correr atrás do que não sabe,
não apanha, não larga, não compreende.
O amor é uma verdade.
É por isso que a ilusão é necessária.
A ilusão é bonita, não faz mal.
Que se invente e minta e sonhe o que quiser.
O amor é uma coisa, a vida é outra.
A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida.
A vida que se lixe.
Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre.
Ama-se alguém.
Por muito longe, por muito difícil,
por muito desesperadamente.
O coração guarda o que se nos escapa das mãos.
E durante o dia e durante a vida,
quando não esta lá quem se ama,
não é ela que nos acompanha -
é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber.
É sinal de amor puro não se perceber,
amar e não se ter,
querer e não guardar a esperança,
doer sem ficar magoado,
viver sozinho, triste
, mas mais acompanhado de quem vive feliz.
Não se pode ceder.
Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra.
A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira.
E valê-la também.
Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Expresso'
BESITOS LUÍZA
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