Texto extraído do livro DEPOIS DA VIDA
psicografia de Divaldo Pereira Franco.
Jesus afirmou que "nenhuma das Suas ovelhas
entraria no Reino dos Céus sem que antes
pagasse a dívida inteira ceitil por ceitil".
O processo da evolução é uma experiência
que se realiza por etapas, em que o
Ser progride pela dor quando o
amor permanece desdenhado.
Hoje sou feliz, porém, antes
conheci a dor e a amargura.
Nasci, há menos de cinqüenta anos,
numa família abastada, em cidade próxima.
Meus pais, fazendeiros prósperos,
esperavam por um filho que
levasse a propriedade adiante.
A minha chegada causou-lhes um
grande transtorno, desde que eu
não correspondia aos anseios
acalentados. Experimentei, desde a
primeira hora, o desdém e a mágoa
dos pais frustrados que não queriam
uma filha. E, a seguir, á medida
que o tempo se passou, a fissura
inicial fez-se um abismo entre nós,
porquanto, como consequência
das leis divinas, a idiotia
e a epilepsia me assinalaram a
debilidade organica e mental.
Quatro anos depois do meu nascimento
um irmão veio coroar a felicidade do
nosso lar, fazendo, não obstante,
que a minha dor fosse tornada insuportável.
Na minha limitação, entretanto, eu não
podia avaliar o que, em verdade, se
passava. Quando as convulsões epiléticas
assaltaram-me, a partir dos
sete anos, um verdadeiro calvário se
apossou da minha vida fragmentada
pelas limitações mentais e por
sofrimentos outros que me eram impostos.
Pessoas inescrupulosas, chantagiando a
presunção da minha família, afirmavam
ser eu possessa de demônios, o que
levava meus pais a aplicarem-me surras
constantes e homéricas, em vãs
tentativas de expulsar de mim o
Espírito mau, execrando-me com
epítetos malsãos e expressões
que me humilhavam, na presença
dos empregados e dos demais familiares.
Não fuí a bênção do caminho materno que,
ao contrário, não escondia sua
ojeriza pela minha presença.
Era obrigada a fazer as refeições
à parte da família, porque o meu
descontrole motor sempre gerava
cenas embaraçosas à mesa.
Aos quinze anos, apresentando uma forma
harmônica, na estupidez de uma mente
limitada e enferma, fui vítima
de pessoas mais infelizes, que me
estupraram, em plena mata,
sem que eu tivesse consciência
da hediondez do crime; e minha mãe,
acreditando-se vulgar, exigiu
de meu pai que tomasse
providências, que se complicariam
mais tarde, após uma sucessão de
agressões físicas que me deixaram
prostrada no leito por vários dias.
Não terminou aí o meu calvário, porque,
pouco mais de dois meses depois,
anunciou-se uma gestação indesejada.
Meus genitores, tomados de fúria,
levaram-me para a mata e espancaram-me
impiedosamente, a fim de que
eu acusasse o homem que me havia
desencaminhado, para que eles
encenassem um matrimônio
impossível ou mandassem lavar-lhes
a honra manchada com a vingança.
Na minha alucinação e desequilíbrio,
no entanto, eu não podia
identificar o meu algoz.
Ataram-me então, a um tronco de arvoré,
e meu pai, tomado por um furor indômito,
chibateou-me até que a morte me adveio.
Experimentei terrível dor.
Num certo momento, uivando como
um animal e tentando libertar-me
das amarras, vi-me subitamente
projetada em um outro cenário,
na forma de uma fidalga
aparentando quarenta anos, diante de
uma escrava com evidentes sinais de
parto, numa senzala miserável e infecta.
Ali presente eu exigia o feitor que
lhe amarrasse as pernas, enquanto
lhe retinha os braços no
tronco da punição.
Aquele filho não podia nascer porque era
do meu marido com a jovem negra
que o roubara de mim.
Acompanhei o trucidar daquele corpo
moço, nas violentas contrações
do organismo, com zombaria.
Gargalhava, enquanto seus gritos
dilacerantes de dor ecoavam por toda parte.
Vi-a morrer, sem que o filho fosse
projetado para fora.
Nesse momento, voltei à cena em que me
via com a cabeça tombada. . .
Senti-me livre e leve, enquanto minha
mãe que me concedera a maternidade,
havia sido a escrava que eu mandara matar,
e o homem que me houvera trazido à vida
era o meu marido de outrora a
quem eu negara o direito da paternidade.
Nesse momento uma doce paz tomou
conta de mim. Abandonei o casulo carnal,
reconhecida, e porque alguém
me aparecesse oferecendo-me
mãos generosas, passados
alguns minutos, ali mesmo, me pus
de joelhos e agradeci a deus a
oportunidade de resgatara o crime
que cometera antes, a fim de poder
encontrar a paz perante a Justiça Divina,
entregando os meus genitores à
própria consciência, sem qualquer rancor.
Aqui venho hoje, para dizer que todas
as dores, mesmo aquelas que se
apresentam com caráter mais chocante
e cruel, têm as suas raízes no amor
desprezado, que enlouqueceu no passado,
quando engendramos crimes e que, agora,
a Providência deles nos permite
liberar, a fim de granjearmos
a plenitude da paz.
Evitai comprometer-vos com qualquer
tipo de violência, mantendo-vos
confiantes nas leis de Deus
que vigem em toda parte!
Quem se entrega à divina condução,
de forma nenhuma perece para renascer
na grilheta da escravidão pelo erro.
O amor consegue alforria e benção
que libera o Espírito para o
empreendimento da sua marcha feliz.
. . . E tende em mente que nenhuma
das ovelhas que Deus confiou a Jesus
se perderá. Mas ninguém entrará no reino
dos Céus, sem que haja
pago a "sua dívida ceitil por ceitil".