
A CRUZ NA ESTRADA
Castro Alves
CAMINHEIRO que passa pela estrada, Seguindo pelo rumo do sertão, Quando vires a cruz abandonada, Deixa-a em paz dormir na solidão.
Que vale o ramo do alecrim cheiroso Que lhe atiras nos braços ao passar? Vais espantar o bando buliçoso Das borboletas, que lá vão pousar.
É de um escravo humilde sepultura, Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz. Deixa-o dormir no leito de verdura, Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.
Não precisa de ti. O gaturamo Geme, por ele, à tarde, no sertão. E a juriti, do taquaral no ramo. Povoa, soluçando a solidão.
Dentre os braços da cruz, a parasita, Num abraço de flores, se prendeu. Chora orvalhos a grama, que palpita; Lhe acende o vaga-lume o facho seu.
Quando, à noite, o silêncio habita as matas, A sepultura fala a sós com Deus. Prende-se a voz na boca das cascatas, E as asas de ouro aos astros lá nos céus.
Caminheiro! do escravo desgraçado O sono agora mesmo começou! Não lhe toques no leito de noivado, Há pouco a liberdade o desposou.

|