Quando em Agosto de 1948, fui colocado no Serviço de Via e Obras dos Caminhos de Ferro de Moçambique, depois dos votos de boas vindas de alguns dos meus futuros colegas, a quem fui apresentado pelo Miguel da Mata, um velho e conceituado terceiro escriturário, ficaram por apresentar aqueles dois velhos negros: Rosias e Jeremias.
Já faziam parte do mobiliário da Secretaria e da Contabilidade, segundo me afirmou o meu muito querido amigo Miguel da Mata.
Os dois, olharam para mim, com aquele olhar matreiro e experiente de quem já viveu alguns largos anos, como indicavam os seus cabelos brancos e os seus rostos enrugados.
Olharam para mim. como quem diz: " Mais um branco que para aqui vem, mais um mandão que aqui ficará, não por muito tempo, mas mais um que temos que aturar e conhecer..."
E conheceram.
E ali, naquele instante, na minha primeira apresentação no local de trabalho, fiquei a conhecer dois mundos: O dos brancos e o dos negros.
O Miguel da Mata, um mestiço, jornalista muito conceituado do Brado Africano, numa só penada, fez-
me sem o saber, ver os conceitos de então, as diferenças, ainda que ténues, do relacionamento dos europeus com os africanos, não me apresentando ao Rosias e ao Jeremias, dois contínuos do Serviço de Via e Obras, às ordens da Secretaria e da Contabilidade.
Fiquei admirado e confuso e eu mesmo já depois de sentado na secretária que me foi indicada, para o meu trabalho, fui ao seu encontro. E conheci os dois homens mais humildes, que me foi dado a conhecer em toda a vida.
Um e outro, nas suas fardas de caqui impecavelmente limpas, denotando um forte sentimento de respeitabilidade, corresponderam ao meu cumprimento, admirados, pois aquele branco, muito jovem e muito corado, estava ali à sua frente para lhes falar. Para os conhecer.
E foi com estes homens simples, educados, com aquela sabedoria que só os negros de cabelos brancos, tem, com um sorriso, encarando a vida, sem azedume, sem um queixume, que eu comecei a aprender o que era a vida. A vida de homens com numerosas famílias, considerados sábios entre os seus, modestos, mas firmes. Firmes nos valores ancestrais, firmes na convivência com outras raças, firmes na singeleza do seu trato com outros homens e como simples funcionários.
Para mim Rosias e Jeremias estarão sempre no meu pensamento e no amor que tenho por Moçambique, pois sendo moçambicanos de alma simples e transparente eram também Gente da nossa Gente.
Gostaria um dia de os encontrar de novo. Certamente e apenas noutra geração, ou lá no infinito onde espero que estejam bem pertinho de Deus.
José de Viseu