A Fé Divina e a Fé Humana
Uma das virtudes mais difíceis de entender e praticar é a FÉ
Confundimos fé com religiosidade, com a freqüência ao templo, com as orações que fazemos, que, geralmente, não são mais que decoradas recitações, nas quais nem sempre acreditamos. Oramos cheios de dúvidas e desconfiados se seremos realmente atendidos. Além disso, temos pressa na resposta, o que não condiz com o TEMPO DE DEUS.
No capítulo XIX do Evangelho Segundo o Espiritismo, o escritor Allan Kardec explica a razão desse comportamento.
No item 7, 3º parágrafo, ele diz:
“A resistência do incrédulo, convenhamos, quase sempre se deve menos a ele do que à maneira pela qual lhe apresentam as coisas. A fé precisa de uma base e essa base é a perfeita compreensão no que se deve crer.”
Se analisarmos a história das religiões, particularmente o cristianismo com suas doutrinas tradicionais e majoritárias, veremos que ele não contribui para que tenhamos fé, porque nos ensina, há mais de 15 séculos, que a vida é uma só. De nada adianta lutar para ser melhor, porque ao final tudo se perde e todos terão o mesmo tratamento: O NADA!
A pequena ressalva que ainda é feita pela doutrina católica, diz respeito a Céu e Inferno. Da forma como esses lugares nos são explicados, é muito mais fácil irmos todos para o inferno do que para o céu. Se o céu é o lugar dos puros, que ficarão sentados à direita de Deus, não há na Terra candidatos em condição de viver tal privilégio. E se eles existem, são apenas zero vírgula algo por cento. Basta que nós nos analisemos e digamos, de sã consciência, se acreditamos estar em condições de ir para o céu.
Somos honestos, pagamos as contas no vencimento, respeitamos as leis do trânsito, mas isso não passa de simples obrigação. E respeitamos, quase sempre, porque do contrário seremos multados ou presos. E pagamos, porque senão vai para o cartório ou a concessionária corta o serviço público. Não é essa honestidade que nos mede e nos interessa diante das Leis de Deus. A honestidade moral é a que importa. Ser gratos à vida, ser alegres, fraternos, solidários e dar sempre bom exemplo. Isto é ser honesto e verdadeiro perante a vida. Saber que o que passamos é justo e necessário porque somos os autores dos nossos problemas, criados recentemente ou em encarnações que passaram.
As várias doutrinas contribuem para separar os homens mais do que para irmaná-los. Há algumas tão radicais, que se você não faz parte da sua igreja, não será salvo, porque a salvação é patrimônio exclusivamente dela. Também não nos explicam como pode ir para o céu alguém que não fez o bem porque nasceu aleijado ou cego, miserável ou deficiente mental. Como podem esses construir patrimônio que lhes dê a santificação. Se Deus desse a eles o que dá a muitos ricos desonestos, esbanjadores, prepotentes, é possível que usassem melhor do que estes os recursos que tivessem.
São as mesmas tolices que envolvem, por exemplo, o limbo. Diz o dicionário do Aurélio: “Limbo, lugar onde, segundo a teologia católica posterior ao século XIII, se encontram as almas das crianças muito novas que, embora não tivessem alguma culpa pessoal, morreram sem o batismo que as livrasse do pecado original.” Que pecado original é esse? O de Adão e Eva? Que temos nós a ver com Adão e Eva? Quando os discípulos perguntaram a Jesus se o cego de nascença era o culpado ou eram os pais dele, o Cristo respondeu que nem ele nem os seus pais. Deixou claro que era um resgate daquele espírito.
Nós nascemos, quase sempre, do amor entre nossos pais e não do pecado, que, aliás, nada tem de original. É, isto sim, uma grande injustiça chamar o ato do nascimento de pecado. Se as escrituras nos recomendam crescer e multiplicar-nos, não estão elas nos induzindo a pecar?
Quanto ao batismo, a criança talvez não recebeu o sacramento porque não deu tempo; porque não tinha dinheiro para pagar o padre; porque morava num lugar distante e as paróquias lá não chegam; porque morreu logo depois que nasceu, por desnutrição ou falta de assistência médica.
Que farão elas no limbo? Por quanto tempo ficarão lá? Que utilidade vê Deus em manter estagnados seus filhos, sem lhes dar qualquer amparo? Principalmente porque ele não é culpado. Nesse caso, Deus pune um inocente! Que Deus é esse? O meu Deus é diferente. O meu Deus é perfeito, justo e misericordioso, e não faz maldades desse tipo.
Quem sabe para ter fé não seja preciso afastar-nos das religiões! Elas desunem e assustam as pessoas, apresentando-lhes um Deus malvado ao qual devem ser tementes.
No item 12 do mesmo capítulo XIX, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, fala-se da fé divina e da fé humana. A mensagem é de um espírito que se apresenta simplesmente como Espírito Protetor - 1863.
Ensina-nos que a fé é o sentimento inato que o homem tem sobre o seu destino. Ela existe, mas o homem não a compreende porque, embora ela esteja latente, precisa ser desenvolvida pela vontade e pelo entendimento.
Diz o Espírito que até agora a fé só foi compreendida no sentido religioso, porque foi Jesus quem revelou e para os homens ele é apenas o chefe de uma religião. Todavia foi o próprio Cristo que nos disse que faríamos o que ele faz e até mais, se o quiséssemos. Os discípulos fizeram muitos prodígios iguais aos de Jesus. Mais ainda, as pessoas podem curar a si próprias pela fé. Roma está apressada em beatificar e canonizar o papa recém- desencarnado. Para que mais santos, se já existem tantos. Por que, se o direito canônico manda esperar cinco anos, o papa resolveu atropelar a lei? O mesmo papa Bento que num dos seus primeiros atos benzeu automóveis Ferrari na praça do Vaticano. Ainda não o vimos, porém, benzer os pobres.
Os discursos das catedrais da fé têm sido os mesmos dos Congressos das Nações e de seus governantes: “precisamos defender as crianças, proteger a natureza e acabar com a fome! Sugiro que vocês façam isso o mais depressa possível.” Mostram os problemas, mas não apresentam soluções. Essa frase conveniente, porque não é prazo e tudo adia - O MAIS DEPRESSA POSSÍVEL – tem dado respaldo às irresponsabilidades sobre coisas importantes que não são feitas porque não foi possível.
Enquanto nossa fé for desse tipo: ir ao Centro, assistir à missa, tomar passe, participar do culto, dar o dízimo, fazer o Evangelho no lar, sem dar um só passo na direção do progresso moral, para nada serve essa fé. É uma fé de boca, não racional, não de coração.
Quando se fala na moral espírita ou cristã, pensa-se na santificação do homem. No entanto a moral humana, num mundo imperfeito, de provas e expiações, consiste em ter simplesmente um comportamento decente e esperançoso. A fé para ser divina não pode ser apressada, revoltada, discutida, duvidada, porque a fé é a conduta, é o cotidiano e não o ponto de chegada. A fé se demonstra no comportamento que temos diante do próximo. Quem é triste, um revoltado, insatisfeito ou sente pena de si mesmo, não tem fé. Toda negatividade é prova de que se sente esquecido por Deus. Quem não confia em Deus, não tem fé.
Embora a conquista da fé divina, plena, não seja acessível a este planeta de provas e expiações habitado por espíritos imperfeitos, o intenso treinamento poderá acrescentar-nos virtudes importantes para desfrutar essa regalia. Na lição, o Espírito nos diz que a fé é humana ou divina, conforme a destinação que o homem der às suas necessidades terrenas e às aspirações celestiais e futuras.
Pela fé divina o homem acredita na força que tem e que seu futuro é luminoso. Sabe que este instante que vive é um período temporário para corrigir equívocos do passado. Não se sente revoltado diante dos empecilhos porque sabe que são passageiros.
Os homens de ciência estão descobrindo a força da mente e da fé. Querer é poder, está ganhando status novo. Deixou de ser frase de efeito ou citação filosófica para ser a expressão da vontade que antecede o êxito. Já estão descobrindo que podemos levitar e que quando amamos altera-se o nosso metabolismo e, independente do sexo, temos prazer em dar alegria ao outro, em ajudá-lo como irmão e outras descobertas similares.
Os espíritas que conhecem a fé pelo raciocínio – compreender para crer – levam vantagem sobre os que a professam simplesmente pelos dogmas. Mas se não aplicarmos o conhecimento nas experimentações da vida, não seremos diferentes dos que se mantêm na fé cega, aquela que já não cabe mais neste mundo onde impera a razão.
Fonte: Revista Internacional de Espiritismo – setembro/2005
http://www.terraespiritual.locaweb.com.br/espiritismo/artigo1833.html