UMA BOA
Jota Há
Uma boa é coisa rara e, por vezes, até difícil de a gente encontrar. Mas, de há uns tempos para cá a maioria das pessoas passaram a achar que isso estava à mão de quem quisesse; que todo mundo merecia "uma boa"; que, se não tivéssemos um pouco disso todos os dias, nós acabaríamos mesmo – Deus nos livre! – assim, como os puritanos.
"Foi uma boa?" tornou-se a pergunta que se sobrepôs a todas as outras precisas questões dos velhos tempos, tipo: Foi digno? Agradável? Proveitoso? Necessário? E – minha favorita. Foi gratificante?
Quando o prazer se tornou o objetivo principal, o mito da "boa" tinha de vir em seguida. A expectativa era de que tudo fosse "uma legal". Senão, então –Deus do céu! –, a gente fazia que fosse… a muque, se preciso.
É só pensar em todas as coisas que adquiriram a reputação de serem "uma boa": passeios em família, sexo, educação, trabalho, Igreja, manter-se na linha. Tudo isso era "uma melhor, uma ótima", e pronto.
As "boas" tornaram-se coisas de tal importncia que todo mundo começou a procurar maneiras cada vez mais sensacionais de encontrá-las. Uma delas foi pisar o limite do perigo ou da licenciosidade ou do consumo de álcool e de outras drogas – de forma que, fosse como fosse, se tivesse à certeza de conseguir uma boa curtiçãozinha.
Os anúncios de televisão trouxeram à baila muito disso e muitas pessoas que curtem "boas". Tudo o que elas faziam nesses anúncios parecia "legal": emborcar cervejas, fazer seguros, esfregar o chão, tomar aspirinas. Mas, quanto mais anúncios nós víamos, mais nos perguntávamos quando é que nós íamos entrar "numa boa".
Era mesmo ultra deprimente.
As grandes ocasiões eram tidas como "boas": Carnaval, Páscoa, Natal. Lua-de-mel era o máximo. E a gente acabava passando cada uma dessas Grandes Datas… esperando que a curtição começasse. Enquanto eu esperava sentado, ocorreu-me que nem tudo é "uma boa" e que tinha a obrigação de lhes dizer isso, caso vocês estivessem preocupados com sua capacidade de entrar em boas.
Não digo que fechem os olhos às realidades; só que devíamos tratá-las de forma mais reverente! Essa coisa toda é um mistério; não pode ser contraída como um vírus; não pode ser apanhada como um animal. Quando surge pé ante pé você provavelmente não estava esperando. Até aposto em como ela surge quando você está cumprindo seu dever ou durante o trabalho. Pode até aparecer numa segunda-feira.
O que eu quero mesmo dizer é para termos muito cuidado, podemos embarcar numa péssima generalizando tudo como "uma boa".
"Pensar é um dos atos mais eróticos na vida de uma pessoa."
Nélida Piñon