EU E O PAPA
Jota Há
Cada vez mais sinto na carne que me será impossível ganhar o reino do céu.
Consola-me a certeza de que não são poucos os que comigo convivem na mesma desesperança.
É doloroso viver sem pecar, pois até os sonhos nos conduzem aos delitos do corpo e da alma.
Longe sempre do estado de graça, são confusas para mim as palavras de Karol Woytila, que como João Paulo II fascina os americanos do norte.
Chefe e líder de 700 milhões de católicos, ele coloca a Bíblia como muralha inexpugnável a separar as mulheres do sacerdócio, ao mesmo tempo em que evoca a Deus para separar os sacerdotes das mulheres.
Assim, se na Igreja existem portas e ambientes exclusivos para homens e portas e ambientes só abertos para as mulheres, assusta-me a caminhada em busca do paraíso, principalmente quando o Papa fala que a liberdade verdadeira jamais pode ser pretexto para a anarquia moral.
E, no entanto, o isolamento dos homens das mulheres resulta, exatamente, na anarquia moral aos olhos da moral burguesa que, afinal, é aquela que vigora em nosso tempo.
Com o pensamento todo voltado para as contradições da fé que se desintegra em mim, buscando não dogmas, mas a luz que somente consigo ver nos olhos de quem não só fala, mas também ouve, sinto o incontrolável impulso de procurar um amigo para discutir e, se possível trocar comigo algumas angustias.
Eu gostaria naquele momento de contar sobre os caminhos que me confundem.
Entrei em um bar, pedi uma cerveja, quase que de maneira solene comecei a bebê-la, olhei para todos os lados e nos olhos de todos os freqüentadores que ali estavam, não sei se por ignorncia minha ou por intuição não encontrei ninguém que fosse capaz ou estivesse disposto a discutir o assunto comigo.
Resolvi calar-me a um canto e comecei a recordar.
Recordar minha última prece.
Subi os degraus do templo para minha última prece.
Saibas que no tempo da minha ausência não pretendi esquecer das orações.
Apenas desaprendi de orar.
Passei por um tempo sem Deus, sem homens, sem mulheres mártires, sem anjos nem arcanjos nem mil demônios.
Eu vi os famintos orando e, orando, continuarem famintos.
Assisti a reza do poder cheia de graças alcançadas.
E, pouco a pouco, desaprendi de orar.
E, ainda assim, voltei ao templo para minha última prece.
Nos degraus, encontrei um homem sem pernas a pedir esmolas.
No templo, uma velha ajoelhada, rezava, creio, pela própria alma, que já lhe fugia do corpo vencido.
Mais no fundo, uma mulher magra, esfregava, com raiva, o rosto de um Cristo feito em bronze.
No altar, um padre, de sotaina, procurava qualquer coisa perdida atrás de uma virgem Maria.
Senti-me só.
Tão só como o padre, como Maria.
Tão só como o homem sem pernas, como a velha sem alma, como a mulher da faxina. Tão só como o Cristo feito em bronze.
É quando descubro, que não só desaprendi de orar, como também esqueci da oração...
"Alguns homens, não conhecendo a dissolução da natureza mortal, mas conhecendo os sofrimentos que ocorrem na vida, penam durante o período de vida em meio de perturbações e temores, inventando histórias falsas sobre o tempo após o fim."
Demócrito