ADAPTAçãO
Jota Há
Todos necessitam de um ponto para convergência. Podemos chamar esse ponto de: nosso porto seguro. São partes integrantes desse porto: o País; o Estado; sua Capital; a Cidade; o Bairro; a Vila; a Rua; o Prédio ou Casa em que vamos residir e, até os Cachorros, sim, os cachorros porque em bairros geralmente há muitos.
Por que os cachorros?
Porque é neles que se encontra uma peculiaridade poucas vezes notada.
Quando você é recém-chegado no bairro, como forasteiro normalmente você dará um jeito de fazer suas caminhadas. Sem pensar em preparo físico, você inconscientemente está fazendo o seu reconhecimento, está tentando delimitar sua área. Esse procedimento é próprio do cão, portanto, eles sabem o que você está fazendo. Sabem também, que você é um estranho.
Da próxima vez que você for um forasteiro, preste atenção nos cachorros, não estou me referindo aos vira latas e sim, àqueles de quintal que já possuem os seus espaços definidos. Quando você passa: eles rosnam, latem e, os menores chamam os maiores, pelos portões e muros eles o ameaçam. Você chega a notar ódio nos olhos deles. Você não sabe o por quê? Mas eles sabem. Você é um desconhecido, um forasteiro na busca de conquistar o seu espaço.
Algum tempo depois, você faz os mesmos percursos, lá existem os mesmos cães só que: eles não te latem mais. Perante eles você já conquistou seu espaço. Agora só lhe resta à parte mais difícil que é o homem. O verdadeiro lobo do homem.
Ao citar país, capital, cidade, etc. quero adiantar que não se encontra aí implícito nenhum patriotismo barato, estou raciocinando sobre o Homem Universal. Portanto, acredito que esse fenômeno ocorra, tanto no Brasil, como na China, na Turquia, etc.etc.
O Homem é o animal mais difícil de ser conquistado pelo homem. Portanto, o seu verdadeiro lobo. Ele é sagaz e premeditado, possui a inteligência, portanto, o entendimento rápido, é perspicaz, apesar de não rosnar e nem latir – em suma: é astuto. Em cada setor, em cada ambiente, em cada roda, sempre lhe dão a impressão que não cabe mais um. Só você – forasteiro – sabe que tem que chegar tem que conquistar tem que provar para a maioria que cabe mais um sim: você.
O novo ambiente é diferente de qualquer outro que você deixou, não importa qual seja, é diferente. Mesmo porque no anterior você já havia descoberto tudo ou quase tudo. Quando que no novo está tudo por descobrir.
De onde veio já sabia, por exemplo: onde tocavam os sinos; onde morava o quitandeiro; já tinha o bar preferido, onde matava suas saudades, aliviava a euforia e tinha a ilusão da máxima alforria; já sabia onde ficava o poste onde amarrava o seu burro quando desembestava a tristeza, gana e o ódio; já conhecia o campo onde soltava seus fantasmas quando o dia era de felicidade; já localizava todas as ruas, não pelo nome oficial, mas pelo apelido, nome oficial só serve para turista. E, agora aqui novamente, tudo está por ser localizado.
A história se repete, depois de determinados tempos quando o espaço já estiver conquistado, por vezes até poderá comentar: puxa… como foi difícil me entrosar aqui, que povo esquisito, fechado. Isso talvez não seja uma verdade verdadeira, um pouco mais ou um pouco menos, são iguais em qualquer localidade. Somos nós, os forasteiros, quando chegamos, com aquela aparência de cachorro caído da mudança e, à necessidade transparente de ser aceito, como criança desamparada, pronta para se jogar nos braços do primeiro que lhe der atenção. É daí que os nativos tiram suas vantagens e dificultam ainda mais o início da estadia do forasteiro.
Se assim não fosse, qual seria a vantagem de permanecer sempre em uma mesma cidade, na mesma vila às vezes por toda uma vida? Os nativos ouvem às histórias dos forasteiros, sentem intimamente uma ponta de inveja, mas não demonstram. Nem precisam demonstrar, pois, acima dessa inveja, está o seu orgulho. O orgulho da situação presente é seu o território, e todas as vantagens ou desvantagens contadas pelo forasteiro é passado, cabe a ele se adaptar. O nativo já está mais que adaptado, não tem porque se preocupar.
Resta-lhe apenas impor suas condições.
E mais uma vez o indivíduo se curva diante de uma nova – velha sociedade.
É assim a humanidade desde as cavernas.
São os indivíduos que tentam distorcer os fatos.