Réquiem à ilusão.
Acredito que não exista quem não chorou,
mesmo que as lágrimas não verteram, mas
chorou na alma, com os últimos acontecimentos
passados no Haiti.
Perdemos a nossa Grande Dama Sra. Zilda Arns,
que deixou-nos um legado de ensinamentos, de
como amar realmente o próximo dando-lhe o que
precisa e não o que desejamos.
Não podemos também, deixar de render a nossa
homenagem aos bravos soldados que morreram
cumprindo seus deveres com dedicação, e muitos
anônimos que lá estavam em serviços de grande
solidariedade humanitária.
Mas toda essa comoção mundial, os fatos que
estamos presenciando de dor e de alegria conjugados,
quando uma vida é salva dos escombros, nos envolve
e na maioria das vezes não refletimos sobre a
impermanência da vida, do quanto ela é fugaz, e o
quanto não aproveitamos bem os minutos vividos
com quem amamos, com as pessoas que moram
do nosso lado, dos amigos e até desconhecidos.
Quantas vezes deixamos, por orgulho ou comodismo,
passar o instante ideal para declararmos o nosso amor
ou o nosso muito obrigado, ou para desfazer um mal
entendido que fez com que uma amizade se acabasse,
e nunca mais teremos como fazê-lo, pois fomos
afastados para sempre um do outro, pela vontade do Pai.
Pensamos sempre que tudo ocorre fora e longe de nós
e que não seremos atingidos, somente a casa do
vizinho pode cair ou a morte só visita lares dos outros.
Essa é uma técnica de sobrevivência utilizada por nossa
mente tão acostumada está em não se aprofundar em
seu autoconhecimento é mais fácil nos iludirmos do
que conhecer a realidade, pois a posse dela nos levará
automaticamente a ação, e agir nem sempre é o que
sabemos fazer e nem queremos aprender. Fingir que
não sei do que acontece parece que me protege de fazer
algo para aceitar ou modificar o fato.
Por isso que nos envolvemos tanto com as tragédias
ocorridas no mundo, sofremos através delas as nossas
próprias tragédias as reais e as imaginárias, as que não
tivemos coragem de enfrentar e guardamos no baú de
nosso inconsciente e as que podíamos e não evitamos.
Acostumamos-nos tanto com o cotidiano que só
notamos o seu valor quando o perdemos.
Da janela de meu quarto eu avisto a janela do quarto
de uma vizinha. Moramos num condomínio, e essa
senhora era o nosso “socorro para tudo”, era ela quem
codificava nossos controles do portão de garagem,
era ela que conversava com os jovens quando faziam
bagunça na piscina etc.
Ontem ao abrir a minha janela pela manhã, nem reparei
que a dela estava fechada, mas ao entrar no elevador
deparei com o aviso que ela havia falecido, aquela noite,
dormindo.
De repente muita coisa mudou em minha vida, agora
sempre que chego à janela e vejo a dela fechada, algo se
mexe dentro de mim, a proximidade de sua morte me faz
pensar que preciso viver o aqui e agora como se ele fosse
único e o último, e mesmo que nunca consigamos feitos
grandiosos como o da nossa querida Zilda Arns, devemos
procurar fazer nossas ações diárias, por mais simples e
corriqueiras que sejam, da melhor maneira possível, pois
nunca saberemos, se um dia a nossa” janela fechada” não
servirá de ajuda para a mudança e melhoria de alguém.
Mariângela Rocha/Mayra