Para se guardar um amor
Letícia Thompson
A gente nunca deveria se acostumar
com o amor. Deveríamos ter sempre
essa sensação de novo, novidade,
como se, cada manhã, descobrindo
o nascer do dia, nos extasiássemos diante
do espetáculo como se ele jamais
tivesse acontecido antes.
Falta cuidados com o amor, com a nobreza
dele e é por isso que ele se apaga.
O frio no estômago passa logo que o
amor toma posse, o coração bate menos
rápido com o decorrer dos dias,
a saudade precisa de mais tempo para
ser sentida e os hábitos se instalam.
A diferença básica entre homens e
mulheres é que a primeira parte é
mais racional, vê e ouve somente
o que quer, se satisfaz com mais
facilidade fisicamente e a segunda...
ah, a segunda!... essa é a guardadora
dos sonhos que faz com que
muitos relacionamentos continuem
até depois que o sentimento acabou.
As mulheres trazem quase sempre
escondido no peito a caixinha de
promessas dos primeiros encontros,
dos primeiros suspiros, primeiras
palavras trocadas, elas guardam
datas, tentam adivinhar os desejos,
se especializam em surpresas e
esperam secretamente ser adivinhadas.
Algo que aprendi com o tempo foi que o amor
não é um conjunto de compatibilidades,
mas a aceitação das incompatibilidades.
Não amamos a outra pessoa quando ela tem
algo que nos agrada, mas quando o que não
nos agrada torna-se menos importante,
mesmo se continua a existir. O amor
está na diferença do contrapeso.
É preciso, para se guardar um amor,
ter-se a memória fraca para certas
coisas e um coração desesperadamente
atento para outras. É preciso conhecer certos
detalhes e dar-lhes a devida importncia,
apreciar o pôr-do sol como se fosse a primeira
vez e se dar as mãos como se elas
nunca se tivessem separado.
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