Memórias de um Toxicômano Drogas – da ilusão à realidade
O caminho pelo qual deveríamos passar era muito difícil. Em alguns lugares, escorria água por uma encosta lateral que tornava bastante escorregadias as pedras da trilha. Tomávamos bastante cuidado e nos apoiávamos uns nos outros. Muitas horas se passaram e tínhamos caminhado bem pouco. Estávamos todos cansados. O ar era de difícil respiração, a atmosfera pesada, a paisagem seca, muito seca. Mesmo com a umidade do caminho, a paisagem se formava por esqueletos de árvores secas. No chão, em volta, apenas terra e muita poeira, liberada ao sabor do vento. As rajadas de vento, quase sempre repentinas e inesperadas, eram assustadoras. Prosseguíamos, no entanto, certos de nosso objetivo e dispostos a realizá-lo. Luzia seguia sempre à frente do grupo. Conhecia todo o local e por ali caminhava como se estivesse em nossa colônia. De vez em quando, um grupo de espíritos passava por nós. Ou não nos viam, ou nos viam e não davam qualquer importncia ao nosso grupo. Passavam direto, sem nenhuma palavra, sem nenhum gesto que pudesse determinar que nos observavam. De quando em quando, fazíamos uma pausa para que pudéssemos descansar. O caminhar pesado e a respiração difícil nos extenuavam a musculatura. Parávamos, tomávamos água e logo seguíamos em frente. Apenas Luzia e os lanceiros que acompanhavam o nosso grupo pareciam não se cansar. Prosseguiam sempre, como se estivessem passeando. Quando parávamos, os lanceiros se colocavam em posição de guarda em nosso redor, o que nos fazia crer que corríamos algum perigo ali. Luzia, por sua vez, abria alguns mapas e se punha a consultá-los. Media determinados pontos com uma espécie de régua. Logo nos refazíamos e a excursão seguia rumo ao seu objetivo, para uma idêntica parada logo mais. Por mais que caminhássemos, parecia que estávamos no mesmo lugar. A paisagem não mudava. Só o cansaço cada vez era maior. Em determinado momento, chegamos ao alto de uma encosta bastante íngreme. Olhávamos para baixo, mas nada conseguíamos enxergar. Sequer tínhamos idéia da profundidade da topografia daquele local. A cerração era bastante forte. Tratava-se de uma névoa bastante escura, aparentemente pesada, que não nos permitia enxergar além de cinco metros. Paramos para descansar novamente. Os lanceiros se colocaram em posição de guarda e, desta vez, Luzia não abriu o mapa, mas apenas desceu a encosta, até onde não pudemos observar. Demorou algum tempo. Quando voltou, reuniu a todos e esclareceu que estávamos quase chegando. A Colônia do Pó ficava logo depois da encosta. A partir de agora, a vigilncia deveria ser redobrada. Deveríamos nos manter permanentemente em oração e sempre juntos. Nosso grupo se formava de cinco pessoas. Todos estávamos com medo de voltar àquele local onde, por muito tempo, tínhamos nos detido por nossas próprias realizações. Tereza era uma garota algo tímida e estava um pouco amedrontada com a situação. Aliás, todos estávamos. Ela pouco conversava, e só o fazia para indagar sobre o caminho e sobre o que faríamos quando chegássemos lá. Márcio já era mais falante. Mostrava ser bastante ansioso, estava um pouco amedrontado e extravasava tudo conversando. Sempre tinha algo a contar que se relacionava com a dificuldade vivenciada no momento, tentando mostrar segurança. No entanto, o que parecia ser segurança, era fuga da realidade. Márcio demonstrava um medo exagerado do momento em que chegaríamos lá. Por mais de uma vez confessou não estar preparado para, de novo, enfrentar aquele local, onde tanto havia sofrido. Jorge era mais comedido. Falava pouco, mas demonstrava uma segurança quase invejada pelos demais. Como ele era o veterano da turma, víamos nele o nosso futuro, o que nos trazia bastante confiança para continuarmos a batalha que havíamos iniciado. Karina ainda trazia muitas dúvidas. Não se lembrava muito do tempo em que havia passado por lá. Tinha uma remota lembrança do sofrimento por que passara. Isso a incomodava. Dizia que não sabia muito bem o que iria encontrar lá, e isso lhe causava medo. Medo do desconhecido. Mesmo assim, ela era muito solidária, auxiliava a todos e se preocupava com todos. Eu, como principiante, não tinha muito que conversar. Nada conhecia do caminho, mas sabia muito bem o que iríamos encontrar na Colônia do Pó. Durante muito tempo tinha-me feito prisioneiro do vício. Iniciara ainda na Terra. Não foram poucos os que tentaram me auxiliar, para que eu modificasse minha vida. Mas nada adiantou. Usando droga como ninguém, fiz da minha vida uma droga. Mas nada percebia. Sempre me achava o maior, o único que conhecia as belezas da vida e a felicidade. Para falar a verdade, eu chegava a sentir pena das pessoas que não usavam droga. Entendia que a vida delas era uma chatice e que nada aproveitavam. E eu não perdia tempo, sempre enfiado na droga, até que um dia meu coração não suportou mais. Era muita droga para aquela máquina já enfraquecida pelo abuso dos últimos anos. O coração pifou, mas eu fiquei ali. Nem percebi que já não tinha mais um corpo. Também, isso não era importante. O importante era que eu estava sempre junto da turma, e consumindo droga. Para falar a verdade, era até melhor. Depois do meu desencarne, diminuiu muito aquele mal-estar do dia seguinte, único senão que a droga nos proporcionava. A vida continuava, até que comecei a perceber que as coisas haviam se modificado em minha casa. Meu quarto havia sido desmontado, a decoração havia mudado. Todos os eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos que haviam sumido voltaram para os seus lugares. Até mesmo a aliança de minha mãe ficava dando sopa na pia do banheiro. Era a minha vez. Com tudo tão fácil, tão à disposição, era só arrumar um comprador e partir para uma noite de arromba. Mas havia algo mais que estava estranho em minha casa. Minha mãe limpava a casa, fazia o almoço sempre sorrindo e cantando. Já não era mais aquela mulher triste e assustada de tempos atrás. Quando meu pai chegou, tive certeza de que algo havia mudado. Longe daquele mau humor que eu conhecia, ele exibia um largo sorriso nos lábios e entrou em casa brincando com todos e convidou a família para jantar fora. Meus irmãos estavam no sofá da sala, também aparentemente felizes. Era tudo alegria. Achando tudo muito estranho, comecei a pensar no que poderia ter ocasionado aquela mudança tão radical em minha casa. Depois de muito pensar, cheguei à única conclusão possível para mim, naquele momento. Enfim, minha família havia me escutado. Descobriram, finalmente, as delícias de uma fileira de cocaína ou de uma tragada em um bom cigarro de maconha.2 Só podia ser isso, já que eles estavam tão felizes e cordatos. Já que haviam entrado na minha, fui conversar com eles. E foi só aí que eu descobri que eles não me ouviam. Agiam como se eu nem estivesse ali. Fui ficando desesperado e resolvi passar a mão em um aparelho de som para comprar um pouco de coca. Descobri, então, que algo mais estava estranho em minha casa. Por mais que me esforçasse, não conseguia sequer erguer o aparelho de som e fiquei desesperado e saí correndo.
Memórias de um Toxicômano
Psicografado por Marcos Alberto Ferreia
Tiago é um típico adolescente brasileiro envolvido com o vício das drogas.Após seu desencarne, narra os mecanismos e facções criminosas que dominam o tráfico de drogas no astral e como os jovens encarnados podem ser aliciados, e o que acontece quando se arrepende e se busca uma saída, os desafios encontrados durante sua internação e desintoxicação e os malefícios das drogas, que transcendem o mundo das formas.
http://studoespirita.blogspot.com.br/2009/05/memorias-de-um-toxicomano.html
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