MARÉ
CLEIDE CANTON
Tombou a cabeça
e deixou escondido
o olhar de aflição.
Tamanho o peso sobre os ombros,
que lhe fez duvidar
de seus próprios méritos.
Como continuar
de braços dados com a justiça
se ela lhe injustiçara?
Como erguer ainda
a bandeira da fé
se ela lhe faltara?
Como aceitar
as conseqüências da vileza,
as farpas da negligência,
a ausência dos conceitos de valor
que o modernismo
travou nas suas gavetas mofadas?
Como transformar
o "um por todos
e todos por um"
em "eu por mim
e Deus para todos"?
Ficaria ali, alquebrada,
eternamente,
não fosse a estrela piscante da fé,
a confiança na resposta universal
da qual ninguém se furta,
dia mais, dia menos...
Ergueu as mãos
em agradecimento,
não pelos fatos,
mas pelo que aprendera,
não pela mágoa
nem pelo desrespeito,
mas pela oportunidade
de, desta feita, acertar,
E o sorriso foi-lhe brotando,
os lábios corando,
o castanho do olhar cintilando
no dourado do mel.
Afinal,
não havia vazamentos
na nau que nunca esteve à deriva...
Tomou o leme
e aproveitou a maré.
Que força tem a fé!