Afago, hoje, o coração inquieto,
mais desperto do que mergulhado
na crença cega do amanhã feliz,
mais aberto ao confronto
com as verdades que o orgulho esconde,
mais disposto a vencer as ameaças
sem contradições,
seguro apenas do que pode,
certo de que a derrota é somente
um incidente de percurso.
Hoje nada ofereço
porque estou reabastecendo
as minhas reservas,
preenchendo os meus vazios,
recolhendo os cacos dos meus cristais,
limpando as marcas do vinho derramado,
apagando a chama da última vela
que ainda teima em lembrar
que já houve um dia de festa...
Hoje pode ser
que eu não me preocupe
com as conseqüências
dos erros do ontem,
com o sabor amargo
de uma desventura qualquer,
com a cicatriz
que ainda se faz presente,
embora invisível aos cegos de plantão.
Hoje é um dia nada especial
onde dizem pouco os pingos da chuva
a duelar com a minha vidraça,
o barulho dos ventos
tentando uma nova sinfonia.
Nem mesmo falam comigo
os meus silêncios...
Hoje quero apenas sentir
aquele outro lado que já venci,
as dores das lágrimas que não pude chorar,
o calar dos desejos que se esconderam
na renúncia e na saudade.
Hoje quero reviver o passado
para sorrir ainda mais
deste presente do sol
nas minhas manhãs,
e deste brilho de novas estrelas
num céu que custei a bordar.
Hoje quero apenas entender
o tamanho do meu sorriso.