(Maria Dolores)
Alma querida, escuta:
Em tuas horas lentas
De inquietação, insegurança e luta,
Amargura e cansaço,
Ouvimos nós, noutros campos do Espaço,
As falas mudas que nos apresentas.
Muitas vezes, interrogas na oração
De espírito espantado e sofredor:
– “Se tudo o que esperei foi sonho vão,
Por que amarei assim, sem ter amor?
Por que me consagrar a filhos que amo tanto,
Se me ofertam por triste recompensa
A incompreensão imensa
Que me encharca de pranto?
Por que me dedicar com tanto empenho
Ao lar que me magoa
No qual ninguém anota as lágrimas que eu tenho
Nem considera a cruz que me agrilhoa?
Que motivo me leva a entregar-me de todo
A certo coração que me espezinha
Que me cobre de lodo
Depois de ironizar a esperança que eu tinha?
Que razão me conserva a consciência
Presa a determinado compromisso,
Se aqueles que mais amo na existência
Não querem saber disso”?
Dói-nos ouvir, no Além, a angústia com que indagas,
Mostrando o coração aberto em chagas...
É um esposo distante, é uma esposa esquecida
Do trabalho de paz que abraçou para a vida,
É um filhinho doente,
Gradeado num leito merencório,
É um parente infeliz em sanatório,
É uma pessoa amiga a gritar-nos em rosto
Acusações sem base em vinagre e censura,
A fazer-nos enfermos de desgosto
Ou cansados de dor, às portas da loucura...
Inda que tudo isso te aconteça,
Não fujas, alma boa,
Tolera a quem te fira, ama, perdoa,
Sem que a força do amor se te arrefeça.
Não fossem as prisões que nos guardam no mundo,
Duros grilhões, sem formas definidas,
Voltaríamos nós aos erros de outras vidas
Em delírio profundo...
A, prova que te oprime em ásperas refregas,
O peso enorme dos tormentos teus,
E a dor da obrigação nas cruzes que carregas
São as cercas de Deus.
Do livro A Vida Conta.
Psicografia de Francisco Cndido Xavier.