Estas peças lidam com a natureza externa e interna do homem; com os mundos visível e invisível.
Os dois lados da vida, o material e o espiritual, são tratados com igual certeza e consistência.
Os elementos sobrenaturais nos dramas não são invenções incidentais introduzidas com o propósito
de efeitos teatrais. São fundamentais ao tema. Qualquer um que possua as chaves para a sua
significação mais profunda compreende uma riqueza de sabedoria. Ninguém com conhecimento
das doutrinas esotéricas pode ter qualquer dúvida quanto à familiaridade de
Shakespeare com a sabedoria dos Iluminados.
Estudos ocultos de magia, negra e branca, recebem um tratamento esclarecedor em
"Ricardo III" e na "Tempestade", respectivamente. Os significados espirituais
dos Solstícios de Inverno e de Verão são desdobrados em "Conto de Inverno" e
"Sonho de uma Noite de Verão". Sob o véu da fantasia, o último é a transição virtual do ritual
do casamento místico como encenado nos Mistérios Eleusianos, nos quais o local do drama é uma
floresta perto de Atenas. Os "Sonetos" traduzem as doutrinas Herméticas em poesia,
enquanto as tragédias como "Hamlet" e "MacBeth" trazem os seres e as forças do mundo
espiritual impenetrável para a visibilidade. Cada um dos dramas trata de alguma lei oculta ou
princípio espiritual. Isto constitui seu tema esotérico. Tudo que encontra expressão no
desdobrável roteiro, surge inevitavelmente de acordo com a natureza desta idéia arquetípica central.
Considerando-se as características internas comuns a Shakespeare e à Bíblia, observa-se
que toda a literatura pode ser dividida em duas classes – sagrada e secular. Acredita-se que
a literatura sagrada provenha de uma fonte de inspiração mais alta que a secular. Acredita-se
que a sabedoria divina tenha encontrado expressão nas bíblias do mundo numa maneira mais
direta e imediata do que qualquer outra literatura. Em outras palavras, é uma parte da
crença religiosa de todos os povos que, nas sagradas escrituras, Deus estabelece uma
comunicação direta com o homem, revelando-se a Si Mesmo de um modo especial e
comunicando, àqueles desejosos de recebê-los, mistérios pertinentes à vida
espiritual interna e modos e maneiras pelas quais o homem progressivamente desdobra
sua divindade latente. Com este conceito geral, o esoterista concorda plenamente.
Há, no entanto, quem afirme que a distinção geralmente feita entre literatura sagrada e
secular é puramente arbitrária e que, enquanto a classificação serve para um propósito útil,
existe uma linha firme de demarcação como muitas pessoas acreditam. Aqueles que mantêm
este ponto de vista acreditam que a única diferença entre as duas classes é sutil, uma
fundindo-se imperceptivelmente dentro da outra. Sustentando esta posição, eles sinalizam
que elementos humanos certamente se introduziram nas escrituras sagradas e que as
verdades sagradas recebem frequentemente expressão superlativa na literatura secular.
Neste ponto, Swedenborg argumenta dizendo que, enquanto é verdade que a diferença
é tênue, há um grau discreto. Isto quer dizer que há um ponto na
escala ascendente de valores no qual um novo fator entra e um novo princípio se torna operante,
e que resulta em trazer algo novo. Por exemplo, toda vida é una, mas nem tudo o que vive
é humano. Há vida na planta e no animal. Mas, quando uma planta adquire a faculdade
de sentir dor e prazer e se torna capaz de locomover-se, ela se torna animal; e quando um animal
adquire as faculdades racionais da mente, ele se torna humano. Graus discretos marcam
a distinção entre reinos da vida e da natureza.
Aplicando isto à literatura, Swedenborg observou que um grau discreto divide a literatura
sacra da secular. A literatura sacra é, em princípio, puramente religiosa. Mas nem todos
os trabalhos religiosos são escrituras sacras. Para serem assim qualificadas, eles têm que
lidar com assuntos espirituais e também possuir um certo conteúdo interno. Isto é,
escondido debaixo da forma externa e envolto em história e biografia, é necessário haver
na fábula e na parábola uma estrutura espiritual, um conteúdo esotérico, claramente
perceptível àqueles que desenvolveram em si o conhecimento espiritual necessário, mas
irreconhecível por aqueles que não vêem "mais do que seus olhos podem ver". Escrituras
sagradas, além disso, são registros da vida, trabalho e/ou ensinamentos de grandes
Salvadores do mundo. Consequentemente, elas lidam exclusivamente com os mistérios
espirituais mais profundos que o homem consegue alcançar.
Resumindo, podemos dizer que a literatura que lida com a vida espiritual e é construída em
torno de Mestre e Salvadores do mundo, e, além disso, se revestem de uma estrutura
baseada nos mistérios, torna-se, em virtude destes vários atributos e elementos,
escrituras sagradas. Todas as outras literaturas têm menor classificação.
Voltando à análise da literatura não sagrada, encontraremos, por sua vez, que ela se
divide em duas. Na primeira, temos a literatura que é possuidora de um sentido "interno";
na segunda, o "externo" somente. A primeira, como as escrituras sagradas, está fundamentada
nos Mistérios e contém, na sua forma externa, um véu de Sabedoria Arcana claramente organizada,
enquanto que na outra classe tal esoterismo não está presente. Para o esoterista, portanto, tal
distinção que fizemos não é aceita como sendo válida pela simples razão que a existência à qual
chamamos de Gnose Divina ou Doutrina Secreta é completamente irreconhecível. Há
trabalhos sobre assuntos espirituais, experiência religiosa e mesmo sobre os Mistérios
que não possuem este sentido interno. Eles podem ser trabalhos altamente inspirados,
contudo somente simplesmente estruturados. Por outro lado, temos trabalhos como os
dramas de Shakespeare que o mundo não reconhece como literatura "espiritual", mas que,
em virtude de sua dupla estrutura, cultuam um compêndio de Sabedoria Iniciática só
comparável a das sagradas escrituras. Daí, a Bíblia Laica.
|