Parsifal...Opera
Max Heindel
MISTÉRIOS DAS GRANDES ÓPERAS
Mysteries of the great operas
(1921)
FAUSTO
Divina Discórdia
Quando o nome Fausto é mencionado, a maioria das pessoas pensa
imediatamente na representação teatral da obra de Gounod. Alguns admiram
a música, porém a história em si mesma não parece impressioná-los. A
primeira vista, parece ser a história, infelizmente muito comum, de um
indivíduo sensual que seduz uma jovem confiante e depois a abandona,
deixando-a expiar sua loucura e sofrer por ter confiado nele. O toque de
magia e encantamento que permeia a obra é considerado por muitos como
simples fantasia de um autor, que as usou para tornar mais interessantes
as sórdidas condições apresentadas.
Quando Fausto é levado por Mefistófeles para o submundo e Margarida é
levada, no final da peça, para o céu em asas angelicais, parece
prevalecer apenas o sentido moral comum, para dar à história um fim
sentimental.
Uma minoria sabe que a ópera de Gounod é baseada no drama escrito por
Goethe. E os que estudaram as duas partes de sua apresentação de Fausto,
percebem a diferença entre a idéia original e a que foi apresentada na
peça. Esses poucos, que são místicos iluminados, vêem na obra de Goethe a
mão inconfundível de um Iniciado esclarecido, e percebem plenamente o
grande significado cósmico nela contido.
Devemos entender que a história de Fausto é um mito tão antigo quanto a
humanidade. Goethe apresentou-a envolta numa verdadeira luz mística,
iluminando um dos maiores problemas da época, o relacionamento e luta
entre a Franco-Maçonaria e o Catolicismo, que apresentamos sob outro
ponto de vista num livro anterior.
Dissemos diversas vezes em nossa literatura, que um mito é um símbolo
velado que encerra uma grande verdade cósmica, uma concepção que difere
radicalmente da que é geralmente aceita. Do mesmo modo que damos livros
ilustrados para nossas crianças para transmitir-lhes lições além de sua
capacidade intelectual, também os grandes Mestres deram à humanidade
infantil estes símbolos pictóricos, e, assim, inconscientemente para a
humanidade, uma percepção dos ideais apresentados foi gravada em nossos
veículos mais sutis.
Assim como uma semente germina oculta no solo antes que possa florescer
acima da superfície da terra, do mesmo modo essas gravações traçadas
pelos mitos sobre nossas sutis e invisíveis vestes colocaram-nos num
estado de receptividade que nos leva prontamente a ideais mais altos e
eleva-nos acima das condições mesquinhas do mundo material. Estes ideais
teriam sido sufocados pela natureza inferior se não tivessem sido
preparados durante eras pela influência legítima de mitos tais como
Fausto, Parsifal e narrações semelhantes.
Semelhante à história de Job, a cena do mito de Fausto tem seu início no
céu, com a convocação dos Filhos de Seth, entre eles Lúcifer. O final é
também no céu como o apresentou Goethe. Como é muito diferente daquilo
que é representado comumente no palco, estamos face a face com um
problema gigantesco. Na realidade, o mito de Fausto retrata a evolução da
humanidade durante a época presente. Também nos mostra como os Filhos de
Seth e os Filhos de Caim representam sua parte no trabalho do mundo.
O autor tem o hábito de ater-se e concentrar-se o mais possível sobre
cada assunto que está expondo. Mas, algumas vezes, as circunstncias
justificam o afastamento do tema principal, como agora acontece com o
mito de Fausto. Se fôssemos discorrer sobre ele, apenas no que se refere
à Franco-Maçonaria e ao Catolicismo, teríamos que voltar ao tema mais
tarde, para iluminar outros pontos de vital interesse como o desabrochar
da alma e o trabalho da raça humana. Esperamos, portanto, que as
digressões não sejam criticadas.
Na cena de abertura, três dos Filhos de Deus, Espíritos Planetários, são
vistos curvando-se ante o Grande Arquiteto do Universo, cantando a música
das esferas em sua adoração ao Ser Inefável, que é a fonte de vida, o
autor de todas as manifestações. Goethe apresenta um desses sublimes
Espíritos estelares dizendo:
"O Sol entoa sua velha canção,
Entre os cnticos rivais das esferas irmãs,
Seu caminho predestinado vai trilhar
Através dos anos, em retumbante marchar".
Modernos instrumentos científicos foram inventados, por meio dos quais,
em testes de laboratório, ondas de luz são transmutadas em som,
demonstrando assim no Mundo Físico o aforismo místico da identidade
dessas manifestações. O que antes era evidente apenas para o místico
capaz de elevar sua consciência para a Região do Pensamento Concreto,
agora também é percebido pelos cientistas. Portanto, o canto das esferas,
primeiramente mencionado por Pitágoras, não deve ser encarado como uma
idéia vaga concebida por uma imaginação poética, nem como uma alucinação
de um cérebro demente.
Goethe pôs um significado em toda a palavra que proferiu. As estrelas
têm, cada uma, sua própria nota-chave e viajam em torno do Sol à
velocidades tão diversas que suas posições de agora não se repetirão até
que se passem 27.000 anos. Assim, a harmonia dos céus muda a cada momento
e, ao mudar, o mundo altera também suas idéias e ideais. A dança circular
das orbes em movimento, ao som da sinfonia celestial criada por elas,
marca o progresso do homem ao longo do caminho que chamamos evolução.
Mas é uma idéia errada pensar que a harmonia constante é agradável. A
música assim expressa tornar-se-ia monótona; ficaríamos fatigados com a
harmonia contínua. Na verdade, a música perderia seu atrativo se não
fossem as dissonncias entremeadas freqüentemente. Quanto mais próximo da
dissonncia o compositor puder chegar, sem realmente incorporá-la à
partitura, mais agradável será sua composição quando esta criar vida
através de instrumentos musicais. O mesmo acontece no canto das esferas;
nós nunca atingiríamos a individualidade para a qual toda a evolução se
dirige, sem a dissonncia divina.
Portanto, o Livro de Job designa Satã como sendo um dos Filhos de Deus. E
o mito de Fausto fala de Lúcifer como estando presente também na
convocação que ocorre no capítulo inicial da história. Dele vem a nota
salvadora de dissonncia que forma um contraste na harmonia celestial, e,
como a luz mais brilhante provoca a sombra mais densa, a voz de Lúcifer
realça a beleza do canto celestial.
Enquanto os outros Espíritos Planetários inclinam-se em adoração quando
contemplam as obras do Mestre Arquiteto reveladas no Universo, Lúcifer
emite a nota de crítica, de censura, nas palavras dirigidas contra a
obra-prima de Deus, o rei das criaturas, o homem:
"Dos sóis e dos mundos nada tenho a dizer,
Vejo apenas quanto o homem se atormenta:
Esse pequeno deus do mundo, sua marca quer reter,
Tão surpreendente agora como no primeiro dia.
Pobre ser, se ele pudesse ter-se afastado, melhor seria,
Tivesses Tu conservado nele a luz celestial,
Que ele chama de razão mas não a usa,
E cresce mais grosseiro que o irracional".
Considerado sob o ponto de vista de gerações anteriores, isto pode soar
como sacrilégio, mas, sob a luz dos tempos modernos, podemos entender que
mesmo num ser tão exaltado que é designado pelo nome de Deus, deve haver
crescimento. Podemos sentir o esforço para maiores aptidões, a
contemplação de futuros universos oferecendo maiores facilidades para a
evolução de outros Espíritos Virginais, que são o resultado das
imperfeições notadas no esquema de manifestação por seu exaltado Autor.
Além disso, como "em Deus vivemos, nos movemos e temos nosso ser", assim
também a nota dissonante emitida pelos Espíritos de Lúcifer elevar-se-ia
dentro Dele. Não seria um agente externo que chamaria a atenção para
erros ou O censuraria, mas Seu próprio e divino reconhecimento de uma
imperfeição a ser transmutada em bem maior.
Lemos na Bíblia que Job era um homem perfeito, e no mito de Fausto, o
detentor do papel principal é designado como um servidor de Deus, pois
naturalmente o problema do desabrochar, de maior crescimento, deve ser
solucionado pelos mais avançados. Pessoas comuns, ou aqueles que estão
mais baixo na escala da evolução, ainda têm que percorrer a parte da
estrada já vencida por outros, como Fausto e Job, que são a vanguarda da
raça e que são considerados pela humanidade comum da mesma maneira que
Lúcifer os descreve, isto é, como tolos e esquisitos.
"Pobre tolo, sua comida e bebida não são da terra,
UM impulso interno para a frente o empurra;
Ele próprio, meio consciente de seu humor exaltado.
Pela mais linda estrela do céu tem ansiado.
O melhor e o mais alto da terra tem desejado,
E tudo o que está perto e está longe, do mesmo jeito;
Nada pode acalmar os anseios do seu peito".
Para tais pessoas deve ser aberto um novo e mais elevado caminho para
lhes dar maiores oportunidades de crescimento; daí a resposta de Deus:
"Embora, em perplexidade, ele me sirva agora,
Para onde aparecer a luz, Eu logo o guiarei;
Quando a árvore nova tiver brotos, o jardineiro sabe,
Com flores e frutos seus anos vindouros beneficiarei".
|