CIENTISTAS RESSUSCITAM VÍRUS DA GRIPE ESPANHOLA
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Por Richard InghamPARIS, 27 set (AFP) -
Cientistas que recriaram em laboratório o vírus da temida gripe espanhola acreditam que o patógeno mais mortal do século XX cobrou um número maciço de vidas devido a uma terrível combinação de inflamação descontrolada do tecido pulmonar com morte celular, segundo artigo publicado na edição desta quinta-feira da revista científica Nature.
A chamada gripe espanhola, que varreu várias regiões do mundo no fim da Primeira Guerra Mundial (1914-18), matou, segundo algumas estimativas, entre 40 e 50 milhões de pessoas, cerca de três vezes mais que o próprio conflito.
O vírus H1N1 poderia contaminar uma pessoa com excelente saúde e matá-la de três a quatro dias, destruindo o tecido pulmonar com uma eficiência tal que o doente às vezes se afogava no próprio sangue.
Em uma experiência nunca antes vista na medicina, cientistas americanos chefiados por John Kash, da Escola de Medicina da Universidade de Washington, em Seattle, viajaram para o Alasca para recolher amostras de tecido de uma mulher, vítima da doença, cujo corpo ficou preservado no solo congelado.
Separando fragmentos do vírus, eles recriaram meticulosamente os oito genes do H1N1, trazendo de volta à vida um assassino visto pela última vez há três gerações.
No artigo da Nature, os pesquisadores revelam ter exposto esta réplica do temido vírus a ratos de laboratório e compararam estes resultados com dados, usando três outras cepas diferentes de vírus.
Uma foi de uma gripe comum, outra de uma gripe comum com dois genes da gripe espanhola, e a terceira compreendia cinco genes da cepa mortal.
Os ratos infectados com a réplica da gripe espanhola, de oito genes, rapidamente adoeceram e morreram. Eles superaram os infectados com as outras três cepas na velocidade em que adoeceram, nas altas concentrações do vírus em seu sangue e na sua alta taxa de mortalidade, em cinco dias.
Nas 24 horas após a infecção, quatro defesas fundamentais de seu sistema imunológico estavam desativadas, causando uma intensa inflamação nos pulmões, enquanto eram ativados os genes que ordenam às células a cometer suicídio, um processo denominado apoptose.
Exames post-mortem realizados em vários pontos durante a experiência demonstraram que os pulmões dos ratos foram devastados por uma "maciça" geração de fluido causado por hemorragia e bronquite, enquanto a membrana dos pulmões, o epitélio, foi rapidamente destruída.
"Reunidos, nossos resultados indicam que as respostas de inflamação intensificada e morte celular podem contribuir" para as severas taxas de infecção e morte causadas pelo vírus da gripe espanhola, afirmaram os autores.
No entanto, eles alertam que um trabalho mais aprofundado em porcos, furões e macacos é necessário para excluir uma possibilidade remota de que a inflamação e a morte celular foram a conseqüência, e não a causa, da brutalidade do vírus.
O trabalho é o último e mais ambicioso capítulo do estudo do vírus da gripe espanhola. Uma pesquisa anterior demonstrou que ele descende totalmente de uma cepa da gripe aviária, algo que está no coração dos temores atuais em torno da cepa H5N1 da gripe das aves.
A experiência inovadora também foi marcada pela preocupação de que o patógeno pudesse escapar do laboratório. Mas Kash e seus colegas reforçam que todos os animais foram mantidos em um laboratório de Biossegurança nível 3 (BSL3, na sigla em inglês) - em que o máximo é de 4 - e que toda a equipe usou roupas protetoras e mochilas com provisão de ar.
Os laboratórios BSL4, a mais alta taxa de segurança, são reservados a patógenos para os quais não existem medicamentos ou vacinas.