Para festejar conquistas esportivas e protestar contra derrotas no campo social, o povo espanhol se acostumou a ir às ruas nos últimos anos, enquanto o Brasil vivia descrente das sua instituições, inclusive a seleção de futebol. Coincidente com a chegada dos europeus aos trópicos para a disputa da Copa das Confederações, o oceano a separar os países foi suprimido, nas últimas semanas, por um mar de gente que tomou as ruas brasileiras, seja para protestar contra os eventos da Fifa ou para torcer pelos pentacampeões. Entre a evolução de um lado e a aparente estagnação de outro, a real distncia entre Brasil e Espanha começará a ser medida pela decisão de hoje, às 19h, no Maracanã.
Batizado pelo jogo ritmado, que envolve o rival até o golpe fatal, o estilo tic-tac da seleção espanhola é uma bomba-relógio que o técnico Luiz Felipe Scolari terá que desarmar. O ritmo, enervante para quem não tem a bola, fez o tempo se arrastar como se jamais o Brasil pudesse recuperar a posse de sua hegemonia. Desde o empate sem gols no amistoso em 1999, em Vigo, as duas seleções jamais se enfrentaram. Ao longo de todos os confrontos, inciados com vitória espanhola por 3 a 1, na Copa de 1934, o Brasil acumula quatro vitórias, dois empates e duas derrotas. Diante da falta de atualização nas estatísticas, a vantagem brasileira caiu em desuso. A julgar pela nova ordem do futebol mundial, chegou a hora do acerto de contas.
No bagaço da caipirnha
Atual campeã mundial e bicampeã europeia, a Espanha vive anos de estabilidade sem paralelo com a realidade de um dos países mais atingidos pela crise europeia. Em 22° lugar no ranking da Fifa, a seleção enfrentou a queda livre enquanto o Brasil se mantinha a salvo em meio à recessão mundial. Num jogo de sinais trocados, as vitórias no futebol têm sido acompanhadas de reveses na vida real. No último mês em que os indicadores do time de Neymar começaram a subir, os protestos viraram a curva, ganharam as avenidas e marcharam até os estádios.
A seleção ainda estava em Goinia quando a bolha começou a se romper. Logo depois de o time quebrar o jejum em clássicos ao vencer a França por 3 a 0, em Porto Alegre, Felipão foi rezar no Santuário do Divino Pai Eterno, enquanto os estudantes já saíam às ruas para reclamar contra o aumento das passagens. Em Brasília, a abertura da Copa das Confederações fez a insatisfação se voltar também contra os altos gastos na construção dos estádios. Mesmo que o discurso oficial na seleção tentasse separar futebol de política, o torcedor levava as tensões para o estádio.
Numa demonstração que fez jus ao nome da cidade, os moradores de Fortaleza venceram barreiras policiais e toda a incerteza que cercava a realização do jogo com o México para fazer da execução do Hino Nacional uma catarse. Jovens, como os manifestantes que lutam por um Brasil melhor, os jogadores entraram no embalo para corresponder ao grito das ruas. Além de declarações de apoio aos protestos, deram motivos para o país reabrir suas bandeiras depois do longo período de letargia
Exigidos pela prorrogação diante da Itália, os espanhóis revelaram o cansaço pelos anos de luta. Acompanhados de familiares no período em que deveriam estar de férias, gastaram energias sob o sol do Nordeste para repô-las à beira da praia, com coco e caipirinha. Hoje, sob o inverno ameno do Rio, as diferenças aparentemente se igualam. Mesmo que as ruas peçam pão e o futebol só ofereça circo, brasileiros e espanhóis se acostumaram a trocar as bolas nos últimos anos. Resta saber quais conquistas cada país vai celebrar até 2014.