Perdoa-me
Fugiram as cores das flores do nosso jardim. Uma névoa espessa, em tons cinzentos, encobriu aquela que parecia ser nossa eterna primavera. E vi-me ríspido, e vi tua lágrima silenciosa e contida. A tempestade de meus gestos a contrapor-se à brisa da suavidade dos teus. E na tentativa de preservar-te acabei por ser tão rude, elevei ao altar minha tolice viril. E o tempo se fez escasso, e agora as linhas já estão todas escritas. Por mais que eu tente arrancá-las do papel, estão ali sob a forma de toscas rasuras. Quem sabe se rasgasse o próprio papel... Mas sobraria sempre a memória. Talvez fosse possível embebedar-se, mas depois haveria a lucidez inevitável. Então eu me constranjo com meu tamanho e a sua delicadeza. Vejo-me forte e patético, Assim como são os guerreiros frente à paz. Algo entre inútil e fora do tempo. Há tanto orgulho e, ao mesmo instante, tanta vergonha em pronunciar desculpas. No entanto, acuso-me e condeno-me sem piedade. Finjo erguer muralhas, quando te quero tão perto. Tento sufocar minha oculta doçura, e reinvento-me com um punhado de asneiras. Uma completa falta de jeito, uma desengonçada sobriedade. O desejo acusa que melhor seria abraçar ter corpo, tocar a tua pele com a minha, sentir o teu calor, emoldurá-la como cristal, com minhas mãos. E com firmeza masculina segurar sua delicadeza feminil. Entretanto, falta-me a coragem dos humildes, sinto-me vulnerável na busca da felicidade. Mais fácil enfrentar o punho agressivo de outro homem Do que o olhar afetivo de uma mulher. Para um existe o próprio punho E uma boa dose de estupidez. Quanto ao olhar da fêmea, em parte amedronta, Em parte convida, e isto cria imobilidade. É beleza a dominar a força, pois a força se curva apenas ao que é belo. E nesse instante haverá de encontrar graça naquilo. O coração baterá em cadência feliz. E talvez por isso sinto-me endividado contigo. E parecendo saber disso, nada me cobra o que inquieta-me ainda mais. Me desatina, me faz afastá-la, como que a temê-la, para depois desejá-la, almejá-la como o naúfrago quer a terra. Te querer tanto quanto o perdido no deserto deseja um gole d’água. Entretanto, mantém-se próxima. E isso vence a própria distancia por mim instalada, e me descubro como meu maior inimigo. Deixo de me incriminar, acabando por perdoar a mim mesmo, sinceramente, ganhando forças para lhe pedir perdão.
d.a
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