Isto é um pensamento solitário, uma elucubração apenas. Por que as pessoas chegam à nossa tela, dão-nos o vigor
e o calor de suas presenças e de repente vão embora ou silenciam?
Esta Rede é infinitamente grande. Nem que fôssemos polvos
estendendo nossos braços em todas as direções,
não abarcaríamos (nem abraçaríamos) todos os seres
que vão desfilando em nossas telas diariamente.
Só que há pessoas e PESSOAS.
Meu coração distingue (ou talvez eu pense
que saiba distinguir), pessoas de PESSOAS.
Algumas me parecem especiais pelo que escrevem,
pelo que sentem, pelo que pensam. Tomo-me de afeto por elas,
falo-lhes direto do meu coração. Diga-se de passagem,
meu coração nunca foi uma porta entreaberta.
Tenho um coração de portas escancaradas
e nenhuma vontade de ser diferente.
Ainda que todo o mundo me diga que devo mudar,
mesmo diante de todas as evidências e diante
de toda a atávica sabedoria que exorta à prudência
nos intercmbios humanos, eu não saberia ser diferente do que sou.
Assumo as consequências de carregar um coração assim.
Dizem que sou ingênua. Ah...quantas vezes já ouvi isto!
Assumo também as alegrias infindas de carregar uma alma emocionada,
que crê totalmente no outro e na mais pura das suas intenções,
quando aporta em minha tela.
Você que está lendo estas linhas escritas ao léu e,
se um dia chegou até mim na condição de Pessoa e não de pessoa,
pergunte-se se tem sido para mim uma pessoa ou uma PESSOA.
E se porventura isto soar a você como cobrança ou mesmo aborrecê-lo
é porque você é pessoa. Então não precisa retornar. Não preciso de multidões.
Mas, se ao ler estas linhas, sentir que desertou sem explicação,
retorne de coração aberto, com um sonoro e caloroso "Oi"
... para que eu não pense que você está doente, sobrecarregado
ou em dificuldades (e se assim for, antecipadamente peço seu perdão).
Para que eu não pense que você teve apenas um momento
de fugaz arrebatamento quando cá esteve (virtualmente) pela última vez.
Para que eu não pense que você apenas usou-me para um determinado fim.
Para que eu não pense que lhe fiz algum mal ou o desapontei de alguma forma.
Para que eu não pense que você morreu e acima de tudo,
para que eu não fique com a certeza de ter morrido ou secado dentro do seu coração.
Registro aqui o meu repúdio aos relacionamentos vazios
que a Rede enseja, onde prevalece o total descompromisso
para com o outro ser na outra ponta da linha. Onde,
num dia somos coroados para em seguida sermos esquecidos.
Onde a troca nunca vai além de e-mails, a princípio pessoais,
depois frívolos repasses e por fim, nem isso. Onde sonhar com a presença das Pessoas (que nos cativaram)
adentrando o nosso mundo real é quase utopia.
Há alguns anos levei um choque quando a professora de meu filho
, como reprimenda, trancou no armário da escola o seu bichinho "virtual"
e no dia seguinte ele estava morto. Embora fosse apenas um brinquedo de plástico,
foi o primeiro contato que meu filho teve com a morte.
Para ele, aquilo não era virtual. Suas lágrimas (e as minhas) foram reais.
E se todas as afeições virtuais que distribuo de forma real,
estão fadadas ao mesmo inócuo e fugaz destino,
se todas as pessoas que conheço neste admirável mundo novo
de impulsos elétricos, carregam este divisor de águas qual um estigma,
restam-me duas escolhas: desertar ou permanecer.
Caso eu permaneça, terei que desenvolver um lado que jamais imaginei ser possível: MEU LADO CIBERNÉTICO.
Serei uma estranha sereia, metade humana metade máquina,
lidando com iguais sereias ou com estranhos centauros, metade homens metade robôs.
Concedo-lhe o direito de discordar de mim. Até torço
para que você discorde e me escreva. Ao menos saberei que você está vivo.
Fátima Irene Pinto
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