PERMITA-ME A LIBERDADE DE COLOCAR AQUI A SUA MENSAGEM.
O QUE É BONITO TEM QUE TER DESTAQUE!
Eis como atravessei o Mazoe
(Em pleno sertão, à beira dum rio farto e louco cujas águas descontroladas
apostavam em chegar rapidamente ao mar)
O Mazoe é um rio. É um afluente do Luenha, que por sua vez é um subsidiário do Zambeze.
Sendo um afluente dum outro afluente, poder-se-á pensar que se trata de um riacho.
Vamos raciocinar ao contrário: O Zambeze sabem o que é? Cahora Bassa?
Tete e a sua ponte? A passagem difícil na enorme garganta da serra Lupata?
É tudo muito grande.
O grande Mazoe desagua já ali no grande Luenha
e este desagua no grande Zambeze num local próximo de Mandiè.
Para se chegar a Mandiè parte-se do tro챌o de auto-estrada
que liga Changara a Tete (uns cento e tantos kms).
A auto-estrada em si, o Lenha e o Zambeze
formam um tri창ngulo onde se situa Wyriamo.
Mas, voltamos ao Mazoe que à escala de Moçambique
deverá desaguar algures num ponto muito próximo dessa auto-estrada
e n찾o longe da aldeia de Wyriamo.
Em meados da década de 60, este jovem que hoje e aqui vos escreve,
chega numa camioneta à margem esquerda do Mazoe
através de uma picada, a fim de o atravessar.
Esta picada foi feita propositadamente para desviar temporariamente
os veículos automóveis enquanto a ponte do Luenha
(que fazia parte da auto–estrada) se ia construindo.
Naquela zona, o Luenha e o seu célebre subsidiário Mazoe
correm entre enormes rochedos e cavaram ao longo dos séculos
aut챗nticas vias rápidas nas suas profundezas.
De tal modo, que os engenheiros tiveram que subir o rio
e conduzir o tal desvio a uma dezena de quilómetros a montante,
numa zona baixa e inclinada, como baixa e inclinada era a própria ponte do Mazoe;
uma ponte, sem guardas, estreita, com uns 200 m de comprimento.
Pensem bem: baixa, inclinada e ainda por cima sem guardas.
Esta ponte, alta na margem esquerda, descendia ligeiramente para a margem direita,
e as águas do Mazoe cobriam naquele momento metade da ponte.
Est찾o a imaginar?!
Esse jovem de que vos falo, tinha um irm찾o e pediram os favores de um destemido;
isto é, uma boleia de Moatize para Vila Pery.
O nosso homem vira-se para aquelas duas crian챌as e decide:
<>.
Seguran챌a? Mas que palavr찾o para duas crian챌as!
Atrás de nós estava uma mata e o sol estava a p척r-se.
A última aldeia distava dali uns 25 minutos de carro e chamava-se Chic척co.
E ainda se deve chamar, pois n찾o há fic챌찾o.
Era um minúsculo agregado de palhotas de onde eu tinha cheirado
e visto sair a fuma챌a própria do cozinhado para a refei챌찾o da noite
e em que a estrada improvisada (mas já muito usada)
passava entre pequenas machambas de ameixoeira e ma챌anicas.
Um cabrito por aqui e por ali a comer as folhinhas das micaias,
assim como algumas galinhas. Mas fora da aldeia e na picada
tínhamos avistado galinhas do mato e alguns hervívoros selvagens.
Sabem do que vos estou falando?
Pois claro, do sert찾o africano na província de Tete,
a mais quente e seca e talvez a mais despovoada província de Mo챌ambique.
A palavra Mazoe aparecia escrita nos rótulos de garrafas de sumo de laranja
com origem no país vizinho.
Na verdade o rio nasce na Rodésia
e eventualmente atravessa uma regi찾o fértil do norte da Rodésia
(o Zimbabwe de hoje), onde se produziam citrinos.
Por razões de segurança tínhamos aceitado ficar os dois de cócoras à beira do rio,
cujas águas corriam a bom correr na outra metade da ponte.
Toda a cena se desenrola em pleno sertão, à beira dum rio farto e louco
cujas águas descontroladas apostavam em chegar rapidamente ao mar.
Deixando as luzes acesas,
o nosso amigo voltou de facto para nos levar, como combinado.
Exclamou ent찾o logo que se abeirou de nós:
<
arrastem-nos sempre pela ponte e segurem-se bem a mim!>>.
O meu cora챌찾o come챌ou a saltar tanto que eu quase desfaleci.
Nem uma, nem duas, e lá fomos bem agarrados os tr챗s,
escorregando os pés ao longo do tabuleiro.
Sil챗ncio absoluto nos primeiros minutos. Muita concentra챌찾o.
As margens graníticas altas caíam abruptas
e fechavam-nos num imenso mar de água castanha com uma tenebrosa torrente.
Que cenário horrível!
<> Começava eu a suplicar em silêncio.
Olha por estes tr챗s pobrezitos! >> Pobrezitos sim,
ou talvez tr챗s inconscientes a desafiar ingenuamente a m찾e natureza
e a querer entregar a alma ao Criador.
E se caíssemos, onde iriam parar os nossos corpos?
Que arrepio, meu Deus!
Aí fomos indo nós, descal챌os, e pés bem aderentes ao cimento.
Na parte mais crítica tive muito medo e quase chorei.
A for챌a da água era tal que eu quase já n찾o conseguia arrastar os pés.
Nem eu, nem ninguém. E o nosso “herói”, gritava:
<< n찾o levantar , arrastem, arrastem, arrastem, ...>>
E passados uns bons 20 minutos estávamos na margem direita a tocar a camioneta,
cujos farolins estavam a ser batidos pela água brava daquela enorme torrente.
Exclamou ent찾o o nosso herói:
<
Se n찾o tivessemos passado, teríamos de regressar a Moatize
que fica a uns 150 kms. Deve estar a chover muito na Rodésia!>>.
N찾o recuámos e chegámos a Vila Pery passadas umas 6 horas, s찾os e salvos!
Uma tarefa de alto risco e muito desconfortável mas com um final feliz!
Agora digam-me:
Um homem com duas crian챌as, arriscando daquela maneira a travessia
dum <> rio a transbordar de água, a deixar somente meia ponte a descoberto,
em condições tão severas, não merece ser chamado de HERÃI?
Claro que merece!
E sabem que mais, este HERÓI deixou-nos em casa dos nossos pais
com um sorriso nos lábios e desapareceu.
Era um ilustre farmeiro cuja farme infelizmente nunca cheguei a conhecer.
Também n찾o o voltei a ver.
Este foi o meu primeiro grande susto da minha vida.
Ainda hoje me arrepio, quando penso no Mazoe e naquela travessia.
É, talvez, por esta e por outras que sou assumidamente um calculista.
Por vezes desmesuradamente!
Ma(nelito) – Agosto 2007
Fotos inseridas por amável colabora챌찾o da Carlinha