OS NARRADORES DA SOBREVIVÊNCIA
Os anos da guerra, da loucura e da tragédia mo챌ambicana s찾o os protagonistas do primeiro romance do escritor mo챌ambicano Nelson Saúte.
Um cami찾o carregado de mortos entra devagar em Maputo, "traz em si toda a urg챗ncia. Os habitantes desta muralha chamada cidade t챗m que acordar. Lá fora, n찾o muito distante, mata-se e morre-se". A guerra faz-se assim anunciar.
É com uma imagem forte que o escritor moçambicano Nelson Saúte, inicia o seu primeiro romance, "Os Narradores da Sobrevivência", editado recentemente pela Dom Quixote.
Os efeitos, os traumas e as loucuras dos longos anos de guerra assumem a condição de principais protagonistas em Os Narradores da Sobrevivência, uma obra que nos transporta para uma época, década de 80, dramática. "Foi o tempo em que experimentámos a miséria mais abjecta em termos materiais. Onde os homens despojaram-se da sua humanidade e vestiram a bestialidade oculta da sua personalidade. Foram os anos da morte, da violência das armas que em humanas mãos serviram para destroçar os mais belos projectos igualmente humanos que havia entre nós e reduzir o homem moçambicano à condição de coisa nenhuma".
Pelas páginas do livro v찾o desfilando as várias personagens. Marimbique, o acompanhante de t찾o peculiar carga e há muito dado como desaparecido, Xinguavilana, a velha m찾e de Marimbique que se recusa a acreditar na morte do filho porque, afinal, "morto deixa corpo". Outras personagens passeiam--se ainda na cidade adormecida, como Lindela, a antiga paix찾o de Marimbique, ou Jamaica, "um
ex-combatente, que ficou sem perna esquerda, ao accionar uma mina, num dia de distraído passeio". Incidente que além de lhe levar a perna levou também a memória da guerra, "onde é que se viu, pá? Uma guerra aqui? já parece que os tipos que escrevem nos jornais t챗m a paranóia dos filmes americanos. Esta malta anda maluca, Jone. Isso é lá no cinema. Aqui está tudo calmo, pá. Aqui n찾o há crise".
Nelson Saúte transporta para Os Narradores da Sobreviv챗ncia as suas próprias imagens da loucura que foram os anos oitenta. "Eu guardo a imagem do cami찾o anunciando a guerra com cadáveres no bojo da sua viagem. Eu guardo as imagens dos funerais intermináveis desfilando nas principais avenidas das capitais. (...)Eu guardo essas imagens lacinantes", como escreve no final da obra. No entanto, apesar da dor é impossível n찾o guardar também a memória de outras vozes, "das vozes que enchiam as madrugadas das nossas vidas desencontradas. N찾o havia ent찾o receio de atravessar a rua. Os citadinos andarilhavam pela noite em busca da bicha de qualquer coisa e nada lhes acontecia. As casas adormeciam quase de portas abertas. Este lupanar de viol챗ncia que é hoje a capital n찾o se conhecia".
Foram anos de desgra챌a "individual e colectiva, mas os anos que resgatamos hoje e quase choramos ao lembrá-los porque em tudo em que eles representavam havia uma pureza que as minhas palavras n찾o t챗m compet챗ncia para nomear. E agora que os homens se vestem dos agasalhos da amnésia para atravessar as ruas, vale a pena recordá-los".