UM TOQUE DE MAGIA NA ARQUITECTURA
LEONOR FIGUEIREDO
"Cada vez me vejo mais um explorador arquitectural, um contrabandista,um doido, um exagerado, um traficante de armas de arquitectura." Eraassim que Pancho Guedes se definia em 1950. Hoje, voltaria a escrever estas linhas, diz: "Porque ainda me sinto mais assim..." É um homem desconcertante que se acha "bizarro", dirá mesmo, "deslocado" e"chocante". Tal como a sua arte, que o levava a escrever panfletos revolucionários, incitando: "Devemos libertar-nos de todas as escolas,de todos os mestres, de todos os movimentos."
Cabelo branco, sonotone no ouvido, ligeira pronúncia brit창nica num
portugu챗s correcto. Estamos em Alfama, na casa minúscula de tr챗s
andares, que se sobem percorrendo diferentes locais de trabalho do
arquitecto Pancho Guedes, aliás, Am창ncio Guedes, ADAM Guedes ou
Am창ncio D' Alpoim Miranda Guedes.
Pancho Guedes tem 82 anos. Foi o arquitecto portugu챗s mais editado
internacionalmente até à independência de Moçambique. Ainda hoje,
especialistas do mundo inteiro viajam a Maputo para fotografar
testemunhos da sua carreira, em particular o prédio do Le찾o Que Ri, a sua obra mais carismática, feita a partir de um desenho do filho, hoje arquitecto na Austrália.
Manifestos, Ensaios, Falas e Publica챌천es é o título do livro bilingue
(portugu챗s-ingl챗s) que Pancho Guedes lan챌ou recentemente na Ordem dos Arquitectos, apenas porque, justifica ao DN, os actuais dirigentes
foram todos seus alunos. Trata-se de uma colec챌찾o de textos e
ilustra챌천es que percorrem os anos de 1953 a 2004.
É praticamente um desconhecido em Portugal. Fora do meio e,
possivelmente, entre alguns arquitectos. Mas foi ele que, no passado,
levou uma modernidade portuguesa, através do seu nome e da antiga
colónia, aos fóruns internacionais da arquitectura. N찾o era qualquer
um, como ele, que disp척s de representa챌찾o própria na Bienal
Internacional de São Paulo (1961) fora da "selecção oficial". É que as
obras de Pancho Guedes n찾o passavam por Lisboa, nem obedeciam a nada nem a ninguém.
Em Mo챌ambique, Pancho Guedes atendia ricos e pobres, sobretudo igrejas e clubes, que n찾o podiam pagar mas "tinham uma ideia maior do que a vista" e, nessa condi챌찾o, eram atendidos como clientes da "Funda챌찾o" Guedes. "Era um trabalho de borla para igrejas, miss천es católicas e protestantes. Cheguei a fazer uma casa mínima no Soweto de Joanesburgo, oferta para um amigo antigo missionário e depois do ANC."
É um arquitecto de 25 estilos. Assumidos e justificados. "As
oportunidades em África eram muitas. Fazia de tudo. Prédios de
apartamentos, prédios para companhias de navega챌찾o, estrangeiros,
escolas de pau a pique. Cheguei a sugerir igrejas com o mesmo
material, ou mesmo palácios no subúrbio. E se precisavam de mais um
barrac찾o para fazer uma fábrica... eu também fazia! Tudo era fluido,
estava sempre a mudar. De todos, 'o estilo Guedes' era o mais popular.
Exagerado, com estruturas muito expressivas... havia certos clientes
que olhavam para as plantas e pediam para fazer menos 'o estilo
Guedes'."
Sempre trabalhou por conta própria, em casa, para desfrutar dos filhos e da hora do chá em família. "Viajava muito, mandava vir livros e revistas da minha livraria em Londres." Sempre muito independente, com clientes por toda a África, na Rodésia, Angola, Madagáscar, onde
estava a construir um hotel numa ilha. "Um período muito agradável"
que acabou com o 25 de Abril. Desgostoso com o rumo de Mo챌ambique, elee a mulher, de quem enviuvou, decidiram que n찾o conseguiriam sobreviver ali, tendo aceitado "convites providenciais" de universidades estrangeiras.
Também pintor e escultor, foi na arquitectura que procurou "a
qualidade há muito perdida entre arquitectos, que resulta numa
arquitectura espont창nea de intensidade mágica". Magia é a
palavra-chave de Pancho Guedes. Até na sua mais recente pesquisa,
sobre pintura fúnebre neolítica, quer "conseguir captar a inten챌찾o
mágica de quem a pintou".
Trabalha agora um dos seus últimos estilos, os Bubblies, uma família
de desenhos que incorporam formas curvas, e prop천e-se fazer as
ilustra챌천es n찾o completadas por Paul Klee para o livro Candide, de
Voltaire.|