De: misabelantunes1 (Mensaje original) |
Enviado: 03/02/2008 14:26 |
Ilha de Mo챌ambique A armada de Vasco da Gama esteve na Ilha de Moçambique, em 1498. A 2 de Março, uma sexta-feira chegaram aqui, e os navios da frota foram rodeados por pequenas embarcações dos nativos. A visita a este lugar era uma das muitas peregrinações que me propusera fazer. Aterrei em Nampula, e fui numa carrinha que tinha alugado previamente; com motorista, já se vê, pois não consigo guiar à esquerda. Duas horas depois, eis que se abre em frente dos meus olhos a baía deslumbrante, no meio da qual fica essa nesga de terra, a que os naturais chamam Muipiti, e que tem tanto para contar e mostrar, embora sejam só cerca de três quilómetros de comprimento e aproximadamente quinhentos metros de largura. Passada a ponte, com quase três quilómetros, à entrada, o que se vê desanima. Mas lembremo-nos que durante a guerra civil a população da região refugiou-se aqui, aumentando o número de habitantes para quinze mil. Fui para um hotel muito simpático, mesmo junto da fortaleza de S찾o Sebasti찾o. O jantar, com os inevitáveis camar천es, foi delicioso. Já a noite foi pior, porque o ar condicionado fazia muito barulho. A Ilha divide-se em duas partes; a cidade de pedra, com os seus magestosos edifícios - cerca de quatrocentos - com as ruas que, outrora, fervilharam de comerciantes europeus, árabes e indianos. S찾o rectas e ladeadas de casas feitas ao nosso modo, lindas, numa arquitectura límpida. Ao fim de cada uma há um jardim, onde ainda se podem ver candeeiros franceses Arte Nova, elegantíssimas figuras de mulheres erguendo tochas, que em Portugal n찾o resistiriam uma noite só aos nossos v창ndalos. N찾o esque챌amos que esta foi a capital de Mo챌ambique até 1898. Ao longo da margem interior, a virada a oeste, alinham-se antigos armazens e feitorias, a Alf창ndega, a Capitania, o cais, e é aí que os macuas recolhem marisco e lan챌am redes, durante a maré baixa. Na outra metade da ilha, para sul, fica a cidade macúti, com ruas de terra batida, cujo limite é marcado pela igreja de Nossa Senhora da Saúde, e que vai até à imaculadamente branca capela de Santo António. Aqui falta quase tudo, as ruas são estreitas, com pouca higiene, não há saneamento e até a água é pouca, mas as pessoas são de uma candura e de uma simpatia sem limites. Ser portugu챗s na Ilha de Mo챌ambique, hoje, é de encher a alma, tal o modo como nos tratam, como querem saber notícias de Portugal, sobretudo de futebol. Aliás, a primeira pergunta que nos fazem é de que clube somos. Diga-se que ser da Académica dá um estatuto superior e, claro, o tratamento de doutor. A cada esquina aparecem miúdos que andam na escola, que funciona na fortaleza, um local monumental, enquanto obra de arquitectura militar, mas sem quaisquer condi챌천es: sem vidros nem portas, sem cadernos ou uma simples esferográficas. Os alunos t챗m que fazer turnos para realizar exames, pois n찾o há canetas para todos, e t챗m que as partilhar ! Todos manifestaram uma 창nsia enorme de vir estudar para Portugal. Esses garotos oferecem-se para nos guiar, para nos contar histórias, querem vender-nos missangas que resgatam na baía, além de moedas e garrafas velhas. Às vezes são chatos, mas com calma e amabilidade, arranjamos ali umas duas dúzias de amigos. Lá tive que comprar missangas e moedas antigas portuguesas, e ofereci-lhes as minhas t-shirts. A cidade já tem alguns edifícios bem restaurados e outros est찾o em recupera챌찾o. O Palácio, que foi inicialmente um Colégio dos Jesuítas, está tratado com desvelo, mantendo o recheio praticamente intacto, onde n찾o falta mesmo um retrato de D. Manuel II pintado por Malh척a. O Museu de Arte Sacra mostra um tesouro de obras indo-portuguesas, acarinhadas, e tidas como relíquias por aquela gente; e na verdade s찾o. As estátuas de Vasco da Gama e de Cam천es s찾o veneradas, imponentes em dois largos belíssimos. Os guias improvisados até nos mostram a casa onde Cam천es viveu! Uma casa com uma porta indiana, feita no Gujarate, e esculpida trezentos anos depois do Vate ter ido desta para melhor. Dos muitos monumentos sobressaiem a fortaleza de São Sebastião e o hospital, uma obra gigantesca, num estilo neoclássico que causa inveja a qualquer capital europeia; que obra fantástica ali, no Índico, que preocupação com os que sofrem. Aliás, a Ilha de Moçambique era conhecida pelos navegantes de antigamente por ter uma excelente assistência hospitalar. Por tudo isto a ilha foi classificada como Património da Humanidade em 1991. Um dia pus-me a ler Camões, ao lusco-fusco, sonetos, a olhar o mar, virado para a Índia e de costas para Portugal. É difícil conter a emoção, é difícil não reviver as passadas do Poeta por aquelas ruelas, não ir atrás do seu fantasma, e entrar numa daquelas casas onde, generosamente, as nativas o cativaram, como a outra cativa o cativara, mas que o mar lhe levou. Aluguei um barco, uma pequena canoa, e dei a volta à ilha, fui à Cabaceira Grande, às ilhas de Goa e de Sena, e senti a brisa forte do Índico, e a saudade do Portugal grande. As igrejas e capelas, como as da Misericórdia e de Nossa Senhora do Baluarte, à beira-mar, são marcos e matriz de Portugal. E se o Mar é português, a praia também o é. Aqui, a esta praia, durante séculos, chegaram exaustos marinheiros, soldados de ventura, capitães e feitores; recentemente deram à costa nestas areias os destroços de um Portugal náufrago, que não honra os seus maiores, nem vela pela herança que eles nos legaram Pedro Dias |
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