| | A Cabaceira Grande é uma aldeia que fica em terra firme, em frente da Ilha de Moçambique, onde se chega por barco, atravessando a parte norte da baía que aí se forma. A Ilha de Moçambique foi um dos três principais locais de fixação dos portugueses na Costa Oriental da África, a partir do início do século XVI, a par de Quíloa e de Sofala, mas a Ilha era estéril, e já nessa altura os seus habitantes tinham que ir buscar água à zona da Cabaceira Grande. Foi aí e em Mossuril que os portugueses estabeleceram quintas, para produzir os alimentos essenciais ao dia a dia, e outros com maior valor económico, além de criarem o gado com que a guarnição militar e os funcionários do Estado e suas famílias se alimentavam. Em breve, a toda a volta da baía havia um rosário de fazendas, vindo a desenvolver-se duas povoações, a de Cabaceira Grande e a de Mossuril. Sabíamos que ainda encontraríamos edifícios interessantes, nomeadamente a igreja de Nossa Senhora dos Remédios, que foi a primeira que os dominicanos fundaram nestas partes do Mundo, concretamente em 1579. Também era lá que os governadores de Mo챌ambique tinham o seu palácio ou resid챗ncia de veraneio, além de termos notícia de uma institui챌찾o de Assist챗ncia, que foi muito importante no seu tempo, o Instituto Le찾o XIII. Como estava na Ilha de Moçambique, optei pela forma mais rápida para chegar à Cabaceira Grande: alugar um barco e estabelecer com um guia de ocasião e com um barqueiro o preço de uma excursão. Levaram-nos ao Centro Náutico, onde vimos algumas lanchas modernas, com bom aspecto e ar seguro, e depois de nos mostrarem aquela em que iríamos atravessar o braço de mar, voltei às minhas deambulações pela Ilha, na companhia do meu inseparável "Dupond", ou seja, o Pedro Aguiar Branco. Na manhã seguinte, tivemos a primeira surpresa: o barco que escolhi não estava disponível e, em troca, tínhamos algo que não passava de uma piroga com um mini-motor à ré que devia ter meio cavalo, e mesmo assim doente. Dei logo conta de que metia água, mas tinha dois coletes salva-vidas, o que me deu alguma tranquilidade. Para embarcar fui às cavalitas do dito guia, para não molhar os sapatos e as calças, experiência tipicamente colonialista pela qual nunca tinha pensado passar. Mas é um facto que os habitantes lá do sítio, um bocadinho mais escuros do que eu, mesmo quando eu passava o mês de Agosto inteiro na Figueira da Foz, insistem em chamar "patrão" aos portugueses. Vícios que teimam em persistir, ou saudades. Portanto não tenho remorsos. Mas a comodidade foi sol de pouca dura. O mar estava picado e o motor era efectivamente fraco. Com custo, e em meia hora para fazer três quilómetros, ficámos completamente encharcados. E claro, fomos todo o tempo a tirar água do fundo do barquito. Aproximámo-nos de terra, mas como n찾o havia água suficiente, estava a maré baixa, ficámos presos no meio do mangal. A solu챌찾o era ir a pé. Porém, o meu companheiro recusava-se a saltar, pois dizia que podiam aparecer crocodilos. Ora, todos por ali sabem que n찾o há crocodilos pelas redondezas, mas a insist챗ncia do Pedro Aguiar Branco levou-o a continuar sentado, em seco, enquanto eu e os dois mo챌ambicanos que nos guiavam puxávamos e empurrávamos o barco, o que durou uma hora, até chegarmos a terra firme. A paisagem era magnífica, o mangal verdejante, com garças às centenas, e dezenas de habitantes locais a lançar redes ao mar, com as quais percavam uns peixitos muito pequenos que secavam para conservar. Vieram ter connosco com algum espanto, perguntando-nos porque é que não fomos de carro ! Afinal há uma estrada até lá, só que o nosso guia fechou-se em copas, pois de outro modo não nos teria alugado o barco. De qualquer modo eram mais de cinquenta quilómetros, e a aventura estava a valer a pena. Pedi para nos levarem à igreja, e lá fomos andando, encontrando primeiro uma casa do século XVIII ou XIX, com dispositivos de defesa muito interessantes, e, embora abandonada, alguém estava a restaurá-la. Do andar superior a vista era deslumbrante, e respirava-se um ar que só se encontra em África. Depois visitei o velho palácio dos governadores, uma obra de boa arquitectura, em tudo semelhante à dos edifícios públicos da Ilha de Moçambique, certamente traçada por um engenheiro militar. O problema surgiu com a questão da comida. O guia disse-me que havia um restaurante, instalado numa velha escola. Lá fomos até à dita escola, que não era outra coisa se não o edifício do Instituto Leão XIII, que começou a funcionar em 1892, para a educação de meninas, e que foi entregue às irmãs de São José de Cluny; cumpriu essa função até 1933. Mas de restaurante só a placa. Então tínhamos que arranjar alternativas, e essas andavam por ali a debicar o chão, em volta das cubatas dos nativos. Através do guia, entabulámos negociações com vista a assar uma galinha, mas vistas as condições sanitárias em que a mesma seria cozinhada, entendemos que seria mais prudente passarmos fome. Uma das nativas que vinha atrás de nós desde a praia ofereceu-nos umas bagas cor de laranja, do tamanho de ginjas, e foi com isso no estômago que passámos o dia. Vistos e fotografados os edifícios, voltámos, e como a maré tinha subido, tudo foi mais fácil. O barco estava já mais perto, cerca de um quilómetro, e com o marzinho bem picado, com o motor a parar em cada cinco minutos, ao fim da tarde estávamos na Ilha de Mo챌ambique, ao lado do Centro Náutico, onde os barcos com bons motores olhavam para nós a rir. Fomos enganados, mas valeu a pena.
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