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General: Para que serve a Língua Portuguesa - Alice Vieira no JN
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De: misabelantunes1  (Mensaje original) Enviado: 25/06/2008 13:17

Tinham sido dias complicados, febres descontroladas e sem razão aparente, ora muito altas, ora muito baixas, e o braço a inchar, e a doer horrivelmente, assim como se a carne fosse rebentar da pele - mas eu odeio hospitais, e fui tentando tudo (incluindo aquelas mezinhas que a gente já sabe que não resolvem rigorosamente nada mas que dão um grande consolo à alma - e se a alma precisava de ser consolada, meu Deus!) para ver se a coisa se resolvia a nível caseiro.
Até que lá tive de me render às evidências e entrar naquele ambiente terrível de uma sala de espera das urgências de um hospital - que, como toda a gente sabe, é o melhor lugar para se apanhar todas as doenças, para além daquela que a gente já leva de casa. Lá fico encolhida no meu canto, à espera de vez, quando de repente alguém vem ter comigo, "caramba, há que anos não te via!", e dou de caras com um amigo de que há muito tinha perdido o rasto.
Nem sequer era daqueles amigos muito íntimos mas, naquela altura, soube-me a apari챌찾o salvadora.
Por nada de especial, apenas porque eu estava sozinha naquela madrugada, e precisava urgentemente de companhia, e podíamos conversar e ser gente, e n찾o apenas uma senha ou um número.
Ele vai buscar-me um café a uma daquelas máquinas de produzir mistelas a que depois, sabe-se lá porqu챗, d찾o esse nome, e diz:
"Conta-me tudo".
Sorrio, porque me lembro dos primeiros versos de um belíssimo poema do meu amigo Tolentino Mendon챌a ("Paga-me um café/e conto-te a minha vida"), e falei, falei, porque precisava mesmo de falar e porque assim o tempo n찾o custava tanto a passar e até as dores parecia terem abrandado.
É então que a empregada do guiché fixa em mim os seus olhos, abre a boca de espanto e de repente exclama, no seu açucarado sotaque brasileiro:
"P척xa, como "c챗 fala bem!"
É a minha vez de fazer um olhar espantado, mas já ela continua:
"Se eu 'tivesse aflita qui nem voc챗, da minha boca, ó, só saía era palavr찾o mesmo!"
Garanto que, nestes últimos e complicados dias, foi a primeira vez que dei comigo a rir.
E ainda ri mais quando o médico apareceu à entrada da porta e ela gritou:
"Dótor, leve aí a mo챌a pra v챗 como ela fala bonitinho!"
Foi também a primeira vez na minha vida que o uso mais ou menos escorreito da língua portuguesa funcionou, desavergonhadamente, como cunha.

http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?opiniao=Alice%20Vieira


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