VENDE-SE TUDO
No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por uma m찾e, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos. O cartaz dava o endere챌o do bazar e o horário de atendimento.
Uma outra m찾e, ao meu lado, comentou:
_ Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
_Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.
Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa. Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido comentar que ali estava se vendendo uma estante. Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas. Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu, mais sem alma .
No penúltimo dia, ficamos só com o colch찾o no ch찾o, a geladeira e a tev챗. No último, só com o colch찾o, que o zelador comprou e, compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros.
Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que aprendi a irrelev창ncia de quase tudo o que é material. Nunca mais me apeguei a nada que n찾o tivesse valor afetivo. Deixei de lado o zelo excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e n찾o para se amar.
Hoje me desfa챌o com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada vez mais difícil me afastar de pessoas que s찾o ou foram importantes, n찾o importa o tempo que estiveram presentes na minha vida. Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma emo챌찾o que tive na minha última noite no Chile .
Dormimos no mesmo colch찾o, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio. Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manh찾, já que n찾o tínhamos nem uma xícara em casa.
Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde. Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza.
Martha Medeiros
... e se só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir, é melhor refletir e começar a trabalhar o DESAPEGO JÁ !