Kofi Annan 2008-11-03 14:00
N찾o esquecer os pobres.
Quando uma crise acontece, os menos responsáveis s찾o geralmente os mais afectados e os que menores condi챌천es ter찾o de superá-la.
A história e a nossa experi챗ncia pessoal ensinaram-nos duas li챌천es muito importantes. A primeira é que, quando uma crise acontece, os menos responsáveis s찾o geralmente os mais afectados e os que menores condi챌천es ter찾o de superá-la. A segunda é que as crises podem ser o momento ideal para proceder a reformas e mudan챌as radicais. Estes períodos s찾o fugazes e ter찾o que ser aproveitados para estabelecer acordos no sentido de impedir a recorr챗ncia deste tipo de crises. No mundo globalizado dos nossos dias, isto implica estabelecer acordos mais eficazes, eficientes e equitativos.
O mesmo se aplica nesta época de verdadeiro degelo financeiro. O seu verdadeiro impacto ainda não foi interiorizado, mas implicará certamente um abrandamento global da economia, redução do comércio, uma maior concorrência na corrida ao crédito e uma maior prudência por parte dos investidores. E as pressões aumentarão no que toca à despesa pública e aos pacotes de ajuda, pacotes estes que podem ver-se reduzidos. Actualmente, na esfera política, a incidência vai para a protecção dos consumidores e dos contribuintes nos países industrializados. Mas os mais pobres dos países pobres poderão ver-se, em breve, na circunstância de terem que pagar um preço elevado uma confusão para a qual em nada contribuíram.
Uma resposta a uma crise que não atente nas necessidades dos pobres deste mundo – ou, mais grave ainda, que conduza a um menor envolvimento dos mesmos – será sempre injusta. Todos temos a nossa parcela de responsabilidade pela pobreza, fome, doenças e analfabetismo em grande escala que continua a persistir. A sensação de injustiça que transmite constitui uma ameaça à segurança política e económica. O sentido de responsabilidade que tem motivado os políticos ocidentais a tomarem medidas com vista a repor a confiança no sistema financeiro deve, num mundo globalizado, conduzir também a acções com vista a acelerar a prossecução dos objectivos de desenvolvimento do milénio.
A meio caminho até 2015 constatamos que os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) estão a afastar-se do objectivo traçado, algo não podia acontecer. As muitas histórias de sucesso registadas até à data são uma boa justificação para reforçar iniciativas e para tentar atingir verdadeiros progressos em matéria de desenvolvimento, não nos próximos cinquenta anos, mas sim na próxima década. Para tal, é essencial uma governança mais responsável e eficaz nos países africanos. Isto pode ser conseguido graças a um maior empenho político dos líderes no mundo desenvolvido, combinado com um aumento do investimento e apoio técnico e financeiro dos países mais ricos. De referir que, em termos relativos, não se trata de uma proposta muito dispendiosa.
O Grupo dos Oito países mais industrializados do mundo e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico têm que honrar os seus compromissos, sobretudo no que toca à ajuda ao mundo desenvolvido, não devendo usar a crise como pretexto para abandoná-los. Estes compromissos foram uma dura conquista e estão a encorajar muitos países africanos e outros países em desenvolvimento a planear o seu futuro em torno dos ODM. Ao não cumprir estes compromissos, estaríamos a enviar assim uma mensagem negativa a esses países e minar o frágil, mas crescente, sentido de responsabilidade mútua partilhados por África e pelos seus parceiros tradicionais no que toca a responder aos muitos desafios que este continente tem pela frente.
A energia posta nas discussões com vista a estabelecer um novo sistema global de governança financeira é sempre bem vinda. Os últimos meses puseram a nu as falhas do actual sistema: os mercados são agora globais mas as medidas de controlo e regulação continuam a ser locais. Um novo sistema terá que contar com o envolvimento de todos os actores, não só da Europa, EUA e Japão, mas também de países como o Brasil, Índia, Arábia Saudita, África do Sul e outros. E os países mais pobres terão que ter também uma voz activa nas mesas de negociações.
O Fundo Monetário Internacional terá que se envolver mais no acompanhamento dos mercados globais e na resposta ás crises e deve ser também mais representativo e participativo. A responsabilidade pelas grandes decis천es estratégicas deve passar dos conselhos executivos para um conselho mais representativo e com maiores poderes políticos que, inter alia, substitua o comité do FMI, comité cujo papel é meramente consultivo. Estas ideias n찾o s찾o novas e foram apresentadas antes no rescaldo das crises mexicana e asiática na década de 90. A oportunidade de implementar um sistema regulador global robusto perdeu-se entretanto: fa챌amos agora tudo para n찾o perder esta.
Outro passo importante deve ser o alargamento da participação nas cimeiras do G8, de modo reflectir as actuais realidades económicas e geopolíticas. As necessidades dos países em desenvolvimento, sobretudo em África, devem ser abordadas de uma forma mais sistemática nas discussões dos problemas globais, sejam eles a economia, o comércio, as migrações, a segurança alimentar ou as alterações climáticas.
Daqui a quatro semanas, a reuni찾o de alto nível que terá lugar em Doha e cujo tópico é o financiamento e o desenvolvimento será a altura ideal para assegurar a disponibiliza챌찾o de recursos suficientes para cumprir os desafios estabelecidos no virar do milénio. Daqui a duas semanas teremos uma cimeira global sobre finan챌as em Washington. Este será o momento ideal para assegurar medidas que a todos incluam e para garantir que as necessidades dos mais pobres n찾o s찾o esquecidas.
Grandes problemas s찾o geralmente uma boa oportunidade para uma reflex찾o séria. Todos estamos cientes que a globaliza챌찾o pode ser uma for챌a ao servi챌o do bem. Mas, para partilhar as vantagens e os benefícios e, para que o mundo n찾o fique dividido entre os que navegam na crista da onde e os que est찾o cada vez mais marginalizados, precisamos de alterar o nosso quadro mental e estabelecer novos acordos globais. O momento actual é de risco e de oportunidade e de apelar aos líderes políticos para que reúnam coragem e tenham vis찾o suficiente para agarrar esta oportunidade.
Com Michael Camdessus e Robert Rubin membros
do Painel para o Progresso de África