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notcias: Entrevista especial com Ismael Ossumani
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De: misabelantunes1  (Mensaje original) Enviado: 09/11/2008 15:28
http://www.biodiversidadla.org/content/view/full/45137

N찾o se pergunta a um escravo se ele quer ser livre: entrevista especial com Ismael Ossumani


Um dos fundadores da UNAC (Uni찾o Nacional de Camponeses) e militante ativo na constru챌찾o da Mo챌ambique pós-independ챗ncia, Ismael Ossumane dá uma aula sobre a história do país que é sede da 5짧 Confer챗ncia Internacional da Via Campesina, que acontece desde o dia 16, em Maputo.

Ossumani conta que quando das negociações e conversas entre a Frelimo (Frente de Libertação Moçambicana) e os colonos portugueses, estes sugeriram que fosse feito um referendo para perguntar à população moçambicana se queriam permanecer ou não uma colônia de Portugal. A proposta foi imediatamente recusada por Samora Michel, então líder da organização. "Não se pergunta a um escravo se ele quer ser livre", foi a resposta dada por Michel, que seguiu com a luta armada até a independência do país, em 1975.

Hoje, a Frelimo é o partido que está no poder em Mo챌ambique, mas com novas características. "Eles dizem que a Frelimo é a mesma. Mas nós temos olhos para ver e corpo pra sentir o que se passa", disse. Ossumani militou no partido como secretário provincial de políticas econ척micas. Mais tarde foi transferido para o Comit챗 Central para assumir o programa de socializa챌찾o do campo. Quando percebeu que o projeto revolucionário já n찾o existia no partido, pediu demiss찾o, foi para o campo e ajudou a construir a UNAC. Atualmente, ocupa o cargo de presidente da mesa da Assembléia Geral desta entidade.

Quem foi Samora Michel e qual o legado deixado por ele?

Eu não participei da luta armada, mas sei que Samora Machel deu um grande impulso à guerrilha. Ele era um jovem moçambicano nacionalista que aderiu ao movimento de libertação de Moçambique e fez parte do primeiro grupo que recebeu treinamento na Argélia. Por sua grande capacidade de liderança, logo se tornou um comandante muito importante para a concretização da independência do país. Penso que, naquela altura, a liderança tinha que estar com um homem muito ligado às forças populares de libertação. Seria difícil um intelectual, mesmo revolucionário, liderar a luta armada. Ele transformou a luta armada em uma luta popular. E depois da independência, foi um bom comandante, mesmo sem ter uma grande formação acadêmica.

Qual foi a participa챌찾o e import창ncia da Frelimo na luta pela independ챗ncia ?

A Frelimo passou por transforma챌천es ao longo deste processo. Em um determinado momento, existiam duas posi챌천es dentro da organiza챌찾o: a revolucionária e uma outra que se chamou de reacionária. A certa altura come챌aram a acontecer as zonas libertárias, onde a administra챌찾o portuguesa n찾o entrava. Foi preciso formar uma administra챌찾o da Frelimo nesses lugares. Os cargos da Frelimo eram misturados com pessoas dessas duas correntes, até que ficou claro a posi챌찾o da organiza챌찾o como revolucionária, principalmente quando Samora Michel torna-se um dos líderes da Frelimo.

Os reacionários formariam depois a Renamo ((Resist챗ncia Nacional Mo챌ambicana). Que hoje tornou-se o principal partido de oposi챌찾o.

Conte um pouco sobre como se deu o processo da independ챗ncia

Em 74, o exército colonial portugu챗s recuou. N찾o quiseram mais a guerrilha. Eles dizem que foi por causa das negocia챌천es, mas para nós, os militares perceberam que estavam derrotados no campo de batalha, que os filhos dos portugueses estavam morrendo. Ent찾o, come챌am as negocia챌천es. Um pouco difíceis, porque as novas autoridades portuguesas queriam um referendo para perguntar ao povo mo챌ambicano se queriam a independ챗ncia. Mas Samora Michel bateu o pé. A nossa luta continuou e em setembro de 1974 firmaram-se os acordos. Nesse mesmo dia, aqui em Maputo, teve um levantamento da comunidade portuguesa reacionária, eles até tomaram uma rádio, mas durou pouco tempo. O novo governo portugu챗s n찾o deu apoio (o governo depois do Estado Novo) e as popula챌천es aqui no subúrbio come챌aram a se organizar. Tr챗s dias depois, os portugueses saíram em debandada. Ent찾o dá-se a independ챗ncia e seguimos uma linha socialista.

Quais foram os benefícios do socialismo para a popula챌찾o Mo챌ambicana?

Imediatamente come챌aram grandes programas de massa. Na educa챌찾o, por exemplo, sobretudo na quest찾o da alfabetiza챌찾o, porque tínhamos mais de 90% da popula챌찾o sem saber ler e escrever, aconteceram grandes campanhas. Nacionalizou-se a saúde que passou a estar a servi챌o do povo. Aconteceram campanhas também de vacina챌찾o para as crian챌as.

Nacionalizaram também os prédios de rendimento. Os mo챌ambicanos n찾o precisavam mais pagar aluguel, e isso levou a popula챌찾o negra a entrar na cidade de Maputo. Antes era uma cidade colonial só de brancos, enquanto os negros viviam nas periferias. A nacionaliza챌찾o transformou Maputo em uma cidade africana.

Porque a revolu챌찾o fracassou?

Quando Ian Smith apoderou-se do governo da Rodésia (atual Zimbabwe) ilegalmente, a ONU não reconheceu o novo governo e mandou aplicar sanções. No entanto, ninguém as aplicava. Mas quando Moçambique fica independente resolve cortar relações diplomáticas e econômicas com a Rodésia. Mas isso custou muito à Moçambique porque tínhamos ligações econômicas com eles. A ONU também havia prometido um apoio para quem aplicasse as sanções que nunca deu. Então a Rodésia, com o apoio da Renamo, da África do Sul, e por dissidentes da Frelimo resolve entrar em guerra com Moçambique. E eles tinham um aparato militar muito grande.

Qual foi o principal erro cometido pelo partido depois da independ챗ncia?

Nós cometemos alguns erros dentro da revolu챌찾o. Aconteceu aquilo que podemos chamar de esquerdismo. Primeiro, come챌amos a hostilizar a religi찾o. N찾o só as que vieram de fora, mas também as próprias tradi챌천es da popula챌찾o, as cren챌as. A poligamia, que era tradicional, também foi condenada. Depois hostilizamos também os líderes tradicionais, aqueles que eram agentes do colonialismo, mas tinham poder e legitimidade com o povo. Utilizamos a estratégia errada, transformamos o povo em inimigo da revolu챌찾o. Acabamos por empurrar o povo para ser base da burguesia. Ela ent찾o se apropriou das falhas de Frelimo, falava em "liberdade religiosa, liberdade das tradi챌천es", quando o objetivo deles n찾o era essa liberdade de religi찾o...

Ent찾o a situa챌찾o era: estávamos numa crise econ척mica, a fal챗ncia da Uni찾o Soviétca, a queda do muro de Berlim, o povo estava morrendo. Ent찾o em 86 aderimos a abertura do mercado, pegamos receitas do FMI e do Banco Mundial. A princípio isso era uma estratégia. Dar um passo atrás para avan챌ar depois. No entanto, come챌amos a perceber que aqueles que eram militantes da revolu챌찾o estavam se transformando em agentes do capitalismo. Muitos enriqueceram da noite para o dia. Esse foi o pior golpe que sofremos.

E hoje, qual é a situa챌찾o política e econ척mica de Mo챌ambique?

Temos hoje uma economia política neoliberal que em nada favorece o povo. Recebemos muito dinheiro internacional que supostamente é para apoiar as comunidades, assim como os programas governamentais. Mas é para apoiar, numa perspectiva capitalista, principalmente no campo, como forma de ganhar a base. O sistema capitalista precisa ter alguns na base que defendam o modelo. É uma estratégia. Os portugueses fizeram isso com os líderes tradicionais, como te falei. Estes líderes recebiam alguns benefícios e eram os primeiros a defender o regime colonial. Alem disso, só dar o dinheiro não resolve. Temos que capacitar. Mas o governo não capacita e aí diz "nós já fizemos tudo por essas comunidades. Já demos dinheiro. Eles é que não tem capacidade, não são empreendedores".

Depois dos acordos de paz ou mesmo durante a guerra, muitas ONG's deram apoio humanitário, como roupas, comida. O que verificamos nisso é que grande parte, dos projetos das ONG's é uma repeti챌찾o da implementa챌찾o das políticas a que me referia. S찾o desenhadas de uma forma que, na minha análise, em vez de terem um impacto no desenvolvimento das comunidades, t챗m maior impacto na maneira das pessoas pensarem. Elas ficam cada vez mais dependentes de projetos. Acaba um projeto e já pedem outro.

Sem perceber, est찾o tornando o país vulnerável para que as grandes empresas dos países que doam esse dinheiro possam entrar aqui em Mo챌ambique. A popula챌찾o n찾o percebe que há um pre챌o que pagamos. O país fica nas m찾os das grandes empresas estrangeiras, com a cumplicidade das elites nacionais.

Perante esta situa챌찾o, como a UNAC se organiza? Como combatem esse modelo?

A UNAC tem feito debates, reuni천es, liga챌천es com movimentos internacionais, como a Via Campesina, para tentar encontrar solu챌천es perante a realidade da pobreza Mo챌ambicana. Estamos fazendo cursos de forma챌찾o, inclusive com a ajuda de movimentos sociais brasileiros, tentando conscientizar as pessoas, para que fique claro quando estes projetos est찾o nos ajudando ou nos cooptando.

Então a UNAC tem um grande trabalho de, nesse contexto, nessa realidade, conseguir levar um desenvolvimento sustentável.Também pressionamos as autoridades para determinado tipo de política, por exemplo. Aqui em Moçambique não temos tanto problema de sem-terras como no Brasil. Mas a reforma agrária não pede ser vista só como distribuição da terra. O que adiante ter terra, mas não ter crédito, e outras condições? Vão te tirar a terra depois. Dirão que os camponeses não estão aproveitando da melhor maneira a terra e a entregarão às multinacionais.

Como a crise mundial e a alta do pre챌o dos alimentos tem afetado os trabalhadores de Mo챌ambique?

O nosso campo n찾o depende muito do mercado para ter alimenta챌찾o. A popula챌찾o produz a sua alimenta챌찾o. O problema é que ela produz com muita dificuldade. E n찾o lhe resta dinheiro para comprar outras coisas como caderno para os filhos, remédios, etc. O campon챗s é pobre. Nas zonas urbanas, onde um trabalhador ganha um salário mínimo de menos de 50 dólares, a vida também é muito difícil. Muitas vezes ele se mantém porque a família que está no campo lhe manda algum alimento.

Agora, com o mercado livre e o desenvolvimento da África do Sul, a produção do interior de Moçambique não chega à cidade de Maputo. Os custos do transporte aumentam muito o preço do alimento que vai vender. Os produtos da África do Sul chegam a um preço baixo, e com uma embalagem bonita. Então é difícil você aumentar a produção quando não tens mercado. Isso ajuda as empresas a encontrarem espaço para incentivar a monocultura como o algodão e o tabaco, porque essas empresas garantem essa comercialização.

O senhor disse que grandes líderes tornaram-se agentes do capital. A Frelimo seria também um agente do capitalismo hoje?

Dizer que no partido só há agentes do capitalismo pode ser injusto. Mas quando temos dentro do partido pessoas influentes, de peso, que s찾o grandes capitalistas, podemos ter uma idéia do que é o projeto do partido. Mas n찾o podemos pegar um partido com milhares de membros e dizer que todos s찾o agentes. Muita gente ainda acredita em uma transforma챌찾o.

Por exemplo, essa escola onde estamos (Escola do partido Frelimo) foi construída logo após a independ챗ncia e era onde se dava a consci챗ncia do proletariado, do campon챗s. Eu mesmo fiz curso aqui. Mas se tu me perguntas o que acontece aqui hoje em dia, eu n찾o sei. Esta sendo útil agora porque conseguimos esse espa챌o para fazer a Confer챗ncia, mas tirando isso, eu n찾o sei.

Além disso, a Frelimo que era um partido de operários e camponeses, com alian챌a com intelectuais, hoje se diz que é de operários, camponeses, burgueses, agentes econ척micos..tudo! N찾o sei se historicamente somos capazes de misturar esses tipos de pessoas com interesses completamente diferentes.

Existe uma esquerda intelectual hoje em Mo챌ambique?

As pessoas estão traumatizadas, desanimadas. Quando entramos com um discurso como o da UNAC e o da Via Campesina, ainda te toleram, mas dizem "bom, essa gente não deve andar muito bem da cabeça" ou dizem que somos românticos, algo assim. O capitalismo usa um discurso de que está provado que os regimes socialistas são fracassados. A universidade também está influenciada pelo modelo capitalista. Então o jovem que sai da universidade sai esquematizado dentro do modelo. Há alguns intelectuais que nos apóiam, mas que às vezes acham nosso discurso muito radical.

Quais s찾o as perspectivas para o futuro de Mo챌ambique?

A perspectiva é má. Mas também é verdade que durante esses anos que entramos no capitalismo – que não são muitos – já começam a haver algumas frustrações, como jovens desempregados, por exemplo. Começam a verificar que o capitalismo não é tudo isso que a propaganda diz. Em fevereiro desse ano, houve uma mobilização popular por conta do aumento do preço dos combustíveis, que pegou as autoridades de surpresa. Então há uma base inconformada. A dinâmica do insucesso do capitalismo, da exploração dessas elites, pode desencadear, gradualmente, uma consciência que pode engrossar nossa luta. Mas temos que saber que ainda somos uma minoria.




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