| João Cândido da Silva Há vida para além da crise joaosilva@mediafin.pt |
Em entrevista que é publicada nesta edição do "Jornal de Negócios", Kenneth Rogoff afirma que Portugal terá problemas quando as taxas de juro começarem a subir. Parece extemporâneo, como faz o antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, estar a antecipar os problemas que poderão surgir quando o pior da actual crise tiver passado, numa altura em que os problemas ainda estão a adensar-se e em que também se sabe que a conjuntura vai ficar mais negra antes de se vislumbrar alguma luz no fundo do túnel. Parece, mas não é.
Parece extemporâneo, como faz o antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, estar a antecipar os problemas que poderão surgir quando o pior da actual crise tiver passado, numa altura em que os problemas ainda estão a adensar-se e em que também se sabe que a conjuntura vai ficar mais negra antes de se vislumbrar alguma luz no fundo do túnel. Parece, mas não é.
A saúde com que a economia portuguesa sairá da recessão terá muito a ver com as armas que forem utilizadas para a combater e com os constrangimentos estruturais que já circunscreviam o desempenho nacional a um nível apenas modesto, mesmo antes da eclosão da contracção global a que Portugal jamais poderia escapar. A mensagem de Rogoff tem pontos de contacto com as previsões da Standard & Poor’s e ambas se baseiam no facto de as famílias, as empresas e as instituições financeiras terem aumentado o seu grau de endividamento nos últimos anos.
O resultado desta situação está em que a economia portuguesa não terá condições para aproveitar em pleno a baixa do preço do dinheiro que poderia atenuar a recessão e baixar o peso dos encargos já contraídos com dívidas anteriores à crise. A acumulação de endividamento fez aumentar o risco de incumprimento e é nessa sequência que a notação de crédito da República foi revista em baixa, aumentando a pressão para a subida do prémio exigido para contratar novos financiamentos, quer se trate dos que forem pedidos pelo Estado ou pelas empresas.
Portugal não é caso único, porque os planos anti-crise que foram sendo anunciados por toda a Europa envolvem uma subida substancial das necessidades de emissão de nova dívida para acorrer a todas as promessas efectuadas pelos governos. Mas os volumes de liquidez que as economias com maior peso tentarão ir recolher junto de potenciais credores agravarão as condições em que estes estarão dispostos a emprestar a países com "ratings" mais negativos, como sucede com o Estado português. Isto é, o dinheiro poderá estar mais barato, por causa das políticas monetárias destinadas a promover a expansão e a evitar a deflação, mas tudo indica que o país não tirará grandes benefícios desta circunstância.
É por aqui que a cura ameaça prolongar a doença. Uma estratégia de combate à crise apoiada no aumento da despesa pública, dirigida a investimentos decididos depressa mas implicando a secundarização de uma avaliação criteriosa dos seus impactos positivos e negativos para o futuro, tem o resultado inevitável de fazer subir, ainda mais, a dívida que terá que ser paga através da cobrança de impostos. O próprio Governo o admite nas projecções que revelam uma subida do indicador já este ano, para níveis recorde.
Mais dívida, paga, desde já, a um preço mais elevado, conduzirá a uma degradação adicional do risco e a condições mais desfavoráveis de financiamento quando o Banco Central Europeu recomeçar a apertar a política monetária. Se esta espiral se colocar em andamento, confirmará as projecções que atribuem a Portugal o regresso a um cenário de crescimento débil durante a próxima década. Antes de lançar dinheiro sobre tudo o que lhe pareça ter hipóteses de resolver problemas de curto prazo, o Governo faria bem em ponderar melhor as suas decisões. É suposto haver vida para além da crise.