Leonídio Paulo Ferreira
Jornalista - leonidio.ferreira@dn.pt
Vila Cabral passou a ser Lichinga, Olivença chama-se Lupilichi e Nampula continua Nampula 34 anos depois da independência. Ouvi falar muito destas terras de Moçambique durante a infância. Folheei vezes sem conta os álbuns com fotos a preto e branco (e umas raríssimas a cores) do meu pai durante os 29 meses que passou entre a Beira (onde desembarcou) e o Niassa. Foi um dos 700 mil portugueses que ao longo de década e meia foram chamados a combater em África. Pode dizer-se que eram peões do colonialismo, ou da ditadura, mas ninguém lhes perguntou se sabiam que lutavam por uma causa perdida de antemão por Salazar e Marcelo Caetano. Combatiam por Portugal. E nessa época, entre 1972 e 1974, quando um outro Leonídio enfrentava a guerrilha da Frelimo, Portugal ia do Minho a Timor, como proclamavam os manuais.
Descubro uma Maputo que me descreveram, quando era Lourenço Marques, como uma terra de belas avenidas, sobretudo a marginal de onde se assiste ao nascer do Sol no Índico. Há certa ordem no trânsito, com os carros a seguirem pela esquerda como na África do Sul, e passam roncantes os chapas e machibombos. Há lixo nas ruas, vendedores de máscaras e aqui e além um café cheio de charme. No Continental, perto do prédio de 33 andares que serve de sede à Mcel, as paredes mostram paisagens com leões. No tecto, as ventoinhas rodam preguiçosas. Enquanto se bebe uma Laurentina (não a rebaptizaram de Maputina!), imagina-se que um dia Kaúlza de Arriaga, esse campeão do império, lá terá estado sentado.
Houve portugueses que ficaram por cá e escolheram ser moçambicanos. A maioria partiu. Alguns começaram a regressar depois da guerra civil para montar negócios e a economia agradece. Há também quem venha de férias e vá procurar a casa onde viveu na infância, como o empresário que foi à Beira satisfazer a curiosidade e encontrou a vivenda habitada pelo capataz do pai. Se somarmos o milhão de portugueses que regressou em 1974 e 1975, mais os filhos destes, mais os 700 mil antigos combatentes, mais ainda as mulheres e também os filhos destes, criados a ouvir histórias de exotismo e de camaradagem (incluindo com soldados negros), são muitos milhões aqueles que sentem o fascínio por África. Se calhar por isso o sucesso das férias em Cabo Verde, o êxito de Equador ou os 80 mil que se aventuram agora em Angola a aproveitar a nova prosperidade petrolífera.
As independências são recentes e por isso ainda se ouve o Presidente Armando Guebuza a falar da opressão colonial enquanto lança a nova Academia das Ciências de Moçambique. Mas o tempo acabará por realçar o que une, a começar pela língua portuguesa. Vem daí o prazer da conversa sem tradutor com o cozinheiro de um restaurante de marisco ou da visita à Minerva Central, uma livraria do coração de Maputo criada há cem anos por gente que veio de Portugal e cujos descendentes foram ficando por cá.
http://dn.sapo.pt/2009/02/23/opiniao/retornar_a_mocambique_antes_ter_esta.html