O País - ou pelo menos algumas das suas almas - ficou muito escandalizado por um deputado da Nação ter insultado outro em pleno Parlamento. Deixem-me dizer-vos, meus queridos leitores, que esta é a discussão errada, sobre o assunto errado e no local errado.
Em primeiro lugar, a Nação deveria sentir-se ofendida não pelos insultos proferidos mas sim pelo que lhes está subjacente. Ou aquilo de que o deputado foi acusado - favorecimento de terceiros - é verdade, e deveríamos nós todos sentirmo-nos insultados ou mesmo mais que insultados (outra coisa que não vou aqui dizer porque seria um insulto); ou a acusação é falsa e temos um deputado a caluniar outro, o que também constitui falta mais grave que um mero insulto, e justifica o que se passou pois "quem não sente não é filho de boa gente", é filho doutra coisa.
Em segundo lugar, é difícil para o comum dos mortais perceber o que é um insulto no nosso Parlamento. Se, por exemplo, me dirigir em pleno hemiciclo a um deputado dizendo: "A mãe de Vossa Excelência entrega-se, nas artérias da capital, a um serviço de utilidade pública!" até parece que a dita merece uma medalha por concorrer para o bem-estar dos cidadãos; mas se eu disser: "seu filho da ..." já estou, no léxico parlamentar, a ultrapassar os limites da sã convivência democrática. Que se lixe a convivência democrática, eu ia tão depressa à tromba do tipo que me dissesse a primeira frase como ao da segunda. Ou acham que ia bater palmas à primeira, só por ser dita daquela maneira?
Outro exemplo seria eu dizer em plena sessão: "Senhor deputado, Vossa Excelência entrega-se aos prazeres sexuais com indivíduos do seu sexo!", fica o dito com uma imagem de grande camaradagem e partilha e parece que lhe fiz um grande elogio. Se, pelo contrário, eu pronunciar: "seu grandessíssimo pa..." já está o caldo entornado, passei das marcas. Mas que marcas? Como pode ser assim? Como pode prevalecer a forma sobre a essência?
É isto que se torna difícil de entender ao comum dos cidadãos, que fica com vontade de mandar os parlamentares - que não a instituição, que essa não tem culpa dos erros dos homens - à ..., perdão, àquele subproduto do aparelho digestivo do homem. Ou da mulher, para não parecer uma afirmação enviesada e quiçá sexista.
Finalmente, como pode entender-se que um problema desta natureza seja tratado apenas pela comunicação social e não tenha sido de imediato resolvido no próprio Parlamento? Como se pode agora sancionar um comportamento que a própria casa onde são fabricadas as regras para a nossa convivência em sociedade se recusa a tratar? Ao menos que se tivesse seguido a pretensão do deputado insultante, que queria tratar do assunto "lá fora", presumindo-se aqui que se referia aos Passos Perdidos. Ao menos assim seria tratado no Parlamento o que nele deveria ser tratado, só que à margem do Regimento.
E já agora, se era para que o assunto fosse tratado apenas na Comunicação Social, não compreendo, meus queridos leitores, porque não foi, em primeira mão, divulgado no Canal Parlamento. Seguramente bateria em audiência todos os outros canais e, pela primeira vez em muitos anos, o Povo seguiria genuinamente interessado um debate parlamentar. Ou para lamentar. | | |