Atestar a qualidade dos resultados empresariais é essencial para escolher o destino dos seus investimentos. Portanto, há que saber como fazer o “trabalho de casa” .
Por vezes as aparências iludem. A 23 de Julho, o BPI dava o pontapé de saída na ‘earnings season' nacional. O número em destaque: 89 milhões de euros, lucro líquido do primeiro semestre. O número não vale ‘per si', necessita de contexto, comparação. Pois bem, face ao semestre homólogo, este valor significa uma subida de 880%. Sonante. Contudo, no dia seguinte, o Diário Económico noticiava uma queda de 46,8% nos resultados do BPI.
Confuso? O lucro líquido do banco nos primeiros seis meses de 2008 foi de 9,1 milhões de euros, o que justifica a subida de 880% em 2009. Contudo, o resultado anterior teve o impacto negativo de perdas extraordinárias, nomeadamente as perdas na venda da participação de 10% no BCP e os custos com reformas antecipadas.
Sem isto, os resultados consolidados do BPI no primeiro semestre de 2008 teriam sido 167,5 milhões de euros, o que justifica a queda de 46,8%.
Primeira conclusão: o lucro líquido, isolado, não é um bom indicador, já que contempla ganhos e/ou perdas extraordinárias que nada têm a ver com o desempenho operacional da empresa, além de alterações do regime fiscal ou imparidades, entre outros.
Segunda conclusão: na altura de analisar as contas de uma empresa, qualquer que seja o indicador considerado, deverá sempre procurar olhar para os items que não contemplem resultados não recorrentes, ou seja, resultados extraordinários. Desta forma, a análise será mais fiel à realidade operacional da empresa.
Terceira conclusão: "De facto, não é estranho uma empresa divulgar resultados que, numa primeira análise, parecem positivos mas que a um nível mais detalhado revelam a fragilidade dos números", comenta a Direcção de Investimentos do banco Best. Ou seja, se é investidor particular não descure o trabalho de casa e faça a sua análise aos relatórios e contas das empresas.
Para o ajudar nesta tarefa, o Diário Económico contactou quatro especialistas de forma a obter directrizes. Objectivo: saber para onde olhar e o que procurar num relatório e contas de forma a atestar da qualidade dos resultados apresentados.
Assim, em vez de começar por olhar para o lucro deve antes concentrar-se nas receitas. Um bom indicador, e um dos mais conhecidos dos investidores, é o EBITDA (resultados antes de impostos, juros, amortizações e provisões). Trata-se do lucro operacional da empresa, ou seja, da receita subtraída de custos. É importante perceber se este resultado aumentou (ou diminuiu) devido ao crescimento das vendas ou à diminuição dos custos, actualmente muito em voga. "Com efeito, um resultado positivo gerado principalmente pela diminuição de custos e não pelo aumento de receita, pode reflectir a dificuldade da empresa em exercer a sua actividade ‘core', de onde no longo-prazo serão gerados os ‘cash-flows'", explica a Direcção de Investimentos do banco BEST. De notar que, "o crescimento das vendas é a medida mais pura para aferir qual o efeito da crise nas receitas da empresa", salienta Nuno Serafim, Director Geral da IGMarkets para a Península Ibérica.
Roger Oey, ‘head of research' do Banif, chama ainda a atenção para o facto de o EBITDA poder incluir "efeitos extraordinários". Ou seja, o EBITDA não exclui ganhos ou perdas não recorrentes resultantes, por exemplo, da compra ou alienação de activos.
Já no que diz respeito à banca, dadas as suas especificidades, quando analisar um relatório deste sector deverá ter em conta principalmente dois indicadores: a margem financeira, que traduz a diferença entre o valor pago por depósitos e o valor cobrado por créditos, permitindo assim aferir da capacidade do banco em aumentar os lucros. E também o produto bancário, as receitas que resultam da margem financeira, das comissões cobradas e dos resultados das operações de ‘trading'.
Principais indicadores a ter em conta
- Evolução das vendas é essencial para analisar impacto da crise
O indicador "vendas" é, segundo Nuno Serafim, Director Geral da IG Markets para a Península Ibérica, "a medida mais pura para aferir qual o efeito da crise nas receitas da empresa". Um crescimento contínuo das vendas é um forte indicador da resiliência da empresa face à actual crise. Sempre que possível deverá também atender às vendas ‘like-for-like' (LFL), já que têm por base os mesmo activos do período homólogo.
- EBITDA: um clássico na análise dos resultados
O EBITDA (resultados antes de impostos, juros, amortizações e provisões) traduz o lucro operacional de uma empresa. Ou seja, receitas menos custos. Contudo, é necessário ter em atenção dois aspectos: primeiro, o EBITDA não exclui ganhos ou perdas extraordinárias. Sempre que seja fornecido, deverá observar o EBITDA que não contemple resultados não recorrentes. De seguida deve ter em atenção se o aumento dos resultados se deve ao crescimento da facturação ou ao corte de custos.
- Dívida: o indicador que a crise trouxe para a ribalta
Com todos os constrangimentos que a crise trouxe para o mercado de financiamento, tornou-se especialmente importante analisar a política das empresas nesta vertente. Os relatórios e contas dão-lhe indicações sobre as emissões colocadas em mercado, bem como sobre a maturidade da dívida. Em termos absolutos, poderá observar o rácio ‘debt-to-equity', ou seja, a dívida expressa em percentagem dos capitais próprios.
- Provisões são essenciais para prevenir futuros desgostos
Num contexto de recessão económica, as provisões hoje criadas pelas empresas poderão vir a ser bastante importantes para prevenir um futuro desaire nos resultados. Muitas empresas, com destaque para os bancos, têm vindo a aumentar o seu nível de provisões para fazer face às perspectivas de aumento do crédito mal parado (não são só os bancos que se assumem como credores) e perdas potenciais resultantes, por exemplo, de imparidades em participações detidas.
http://economico.sapo.pt/noticias/saiba-como-ler-um-relatorio-e-contas-de-uma-empresa_66411.html