Está dentro de uma embarcação de madeira pintada de vermelho e preto, chamada "Sofia Sandra", mas que também dá pelo nome de "Táxi". O barco atracado na foz do rio Minho, na zona do pinhal do Camarido, pode até passar despercebido aos mais distraídos, mas a quem dá por ele basta perguntar quem é que, afinal, "passa" para o forte, que depressa encontra uma resposta: O "Garrafão". Ou melhor: António de Jesus Valadares, de 77 anos, conhecido na região pela alcunha de "Garrafão".
Para quem desconhece do que aqui se fala, a proposta pode até parecer mais um passeio marítimo a bordo de um pequeno barco até uma ilha onde existe uma fortaleza, que se vislumbra desde as praias de Moledo e da foz do Minho. E para outros muitos que até já fizeram a travessia, este passeio pode até não passar disso mesmo, mas talvez porque o tenham feito sem entrarem no mundo de fantasia sugerido pelo senhor "Garrafão".
É que nos dez a 15 minutos que se contam entre o largar terra firme até pisar a areia da Ínsua, este velho lobo-do-mar navega com a sua "gamela" (é assim que chama o seu barco) em águas de sonho, contando (se puxarem por ele) histórias de sereias e animadas festas subaquáticas. Por vezes, animado pela sua mulher de há 53 anos, Ermelinda da Purificação Pinto, a "Garrafona", como ela própria faz questão de dizer, António de Jesus, gosta de dizer para surpreender turistas (e jornalistas) que na Ínsua existe uma sereia que aparece ao amanhecer."São invenções minhas. Deu-me na cabeça e comecei a dizer às pessoas que levava para a Ínsua: 'Vocês vejam lá se vêem por lá uma sereia porque todos os dias de manhã, quando eu chego ao romper do dia, ela está lá a cantar para mim'. Mas é tudo aldrabice. Agora tenho perguntado: 'Então não a vêem por lá? Eu já há dois anos que não a vejo, se calhar morreu...", ri, o antigo pescador, que diz conhecer todas as manhas que o mar tem em redor da ilhota e que, por vezes, exigem que faça algumas manobras para poder atracar o seu "Sofia Sandra", nome das duas netas. A bordo da sua "gamela", fantasia-se também com a vida do oceano. "Um dia, fui levar umas pessoas e a minha mulher também ia no barco. A meio viu-se um cardume muito grande a passar, com peixes a saltar por todo o lado e os turistas perguntaram o que era aquilo. Ela respondeu que era 'um casamento de peixes que ia passar'. A partir daí contamos sempre essa história", conta alegremente.
Estas e outras histórias são por si só motivo suficiente para uma aventura na Ínsua, que ainda pode ser realizada até ao fim de Outubro, apesar dos dias de chuva que já vão aparecendo. Havendo Sol, pode-se encetar uma verdade fuga para uma ilha deserta. "É uma viagem muito bonita, se o tempo e o mar estiverem bons. Passa-se bem o dia. A praia é muito boa porque é só iodo, cheirinho a sargaço, sossego...está-se no meio do mar", diz o homem do leme do "Táxi", mais antigo da foz do Minho, concluindo: "No pico do Verão tem dias que está lá muita gente. Agora não, quem for, está lá sozinho. Aos casais que vão, costumo dizer: Vocês são dois, cuidado,vejam lá se já não vêm três para terra...".
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