Herbie, o carro de corrida que falava, e Kit, o fiel companheiro de Michael Knight, criaram o desejo de muitos: que os carros tivessem voz. Hoje, a desmistificação desta utopia está mais próxima do que nunca e Portugal é pioneiro nesta investigação
O Marquês de Pombal está completamente entupido! Eu já não me safo mas tu podes ir pela marginal". Que conversa é esta? No futuro, e sem a intimidade do diálogo, poderá ser uma troca de palavras entre o Ford Focus cinzento no Saldanha e o Clio branco nos restauradores. O alerta de acidentes, aviso de rotas alternativas e pedidos de ajuda serão apenas algumas das funcionalidades que a ‘voz' do seu carro irá ter dentro de dois anos.
A Brisa, em parceria com a Universidade de Aveiro e o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa associou-se ao Programa VII - Vehicle-Infrascture Integration (Integração de Infra-Estruturas nos Veículos) através do consórcio OmniAir. Depois da Via Verde, Portugal volta a liderar o desenvolvimento de soluções para a estrada com um projecto ambicioso que tem por base a transmissão bilateral de informação entre o veículo e a infra-estrutura rodoviária.
Mas que significa tudo isto? Este sistema vai possibilitar "entre outras aplicações, como a cobrança electrónica de portagens, a comunicação entre veículos e entre veículos e a auto-estrada, permitindo criar alertas para a intersecção de veículos e capotamentos e evitando colisões, por exemplo", explica Jorge Sales Gomes, director de Inovação e Tecnologia da Brisa. Esta aplicação permite ainda antecipar a aproximação de curvas de velocidade reduzida e activar sinalização de emergência, em caso de travagem brusca.
Além das vantagens evidentes em termos de segurança, será um contributo fundamental para a gestão operacional das auto-estradas, nomeadamente no que diz respeito à mobilização dos meios em caso de acidente. Esta tecnologia funciona através de um identificador, semelhante àquele que é utilizado actualmente na Via Verde e de antenas colocadas ao longo da infra-estrutura.
Este passo é dado por um sistema inovador que funciona na frequência 5.9 Ghz, uma tecnologia que até aqui ainda ninguém dominava nem na Europa nem nos Estados Unidos. O Vehicle-Infrastacture Integration apresenta-se como uma evolução do sistema actualmente utilizado pela Via Verde, que funciona no espectro 5.8 Ghz, e que vem permitir o suporte de outros serviços. Cabe à Universidade de Aveiro desenvolver o sistema de comunicações, bem como o hardware programável e o sistema operativo. Já o ISEL, pelo seu lado, contribui com o estudo da radiofrequência e dos sistemas de informação necessários à tecnologia 5.9 Ghz. A Europa já reservou o espaço desta frequência, no entanto, ainda não está definida uma data para esta mudança.
O desenvolvimento da tecnologia 5.9 Ghz DSRC (Dedicated Short Range Communications) é um passo fundamental para suportar as novas aplicações. Os dispositivos instalados nas viaturas - OBU (On-Board Unit), que recebem e tratam informação - são capazes, através da bidireccionalidade que a tecnologia 5.9 Ghz DSRC permite, de enviar informação relevante sobre o veículo, podendo ser esta tratada e partilhada.
O equipamento RSE (Roadside Equipment), instalado na infra-estrutura, serve de veículo comunicante entre os diferentes interessados em enviar e receber informação de e para o veículo como informação de trânsito, informação meteorológica, cobrança de portagens, informação de pontos de interesse (restaurantes, hotéis), informação sobre as condições da estrada, traçados, e acções dos próprios veículos que possam aumentar a segurança da circulação. A informação recolhida pelo OBU, pode ser igualmente tratada por dispositivos HMI - Human Machine Interface instalados no próprio veículo (computador de bordo, sistemas de navegação, ...) ou dispositivos móveis como PDA's, sistemas de navegação portáteis, telefones móveis, entre outros. As aplicações de segurança fazem parte de uma estratégia do governo federal para reduzir o número de mortes na estrada em 50 por cento num prazo de 10 anos.
Jorge Sales Gomes explica que "relativamente a limitações, dada a evolução face ao sistema actual, podemos dizer que não existem. Podemos, sim, falar em dificuldades de implementação, relacionadas com o processo de desenvolvimento da tecnologia e que deverão ser ultrapassadas à medida que o protótipo vai passando para outros níveis de desenvolvimento". Segundo o director de Inovação e Tecnologia da Brisa, o prazo desta implementação nunca será inferior a cinco anos já que, depois de desenvolvido será necessário envolver outras partes interessadas, como a indústria automóvel e o poder político.
Com esta proposta será possível contribuir para uma condução mais segura, reduzindo o número de mortes por acidentes rodoviários, que hoje ultrapassa as 300 mil por ano, em todo o mundo. A sinistralidade rodoviária representa a nona maior causa de morte do planeta.
A OmniAir, que envolve vários sectores interessados nesta tecnologia , como entidades governamentais, fabricantes de automóveis, operadores rodoviários ou empresas tecnológicas, irá agora preparar um projecto de candidatura a subsídios junto das autoridades governamentais norte-americanas para financiamento do projecto, o que demonstra o reconhecimento do trabalho que a Brisa e a sua rede de parceiros tem vindo a desenvolver. Mais um ponto para Portugal.
Luísa de Carvalho Pereira
15/11/09 16:34
http://economico.sapo.pt/noticias/se-o-meu-carro-falasse_74462.html