O Niassa é provavelmente dos locais mais longínquos do mundo e, talvez, por isso seja tão tentador e charmoso aqui chegar. Custa viajar pelas estradas esburacadas, passar horas a conduzir sem ver viva alma, sentir um arrepio quando as queimadas levam as labaredas à beira da estrada, que altivas e fumegantes nos interrogam se devemos arriscar uma passagem estilo 007 ou fazer marcha-atrás e esperar que o vento acalme e o incêndio morra por falta de alimento. É assim que se sente quem viaja por terra a partir de Lichinga, Província de Sofala até ao lago do Niassa mas quando avistamos aquele imenso azul, ao longe, do alto da montanha esquecemos tudo e sorrimos do passado. É divino este local.
O lago é todo ele magnífico mas o recanto do Nkwichi Lodge é esmagador. A sua praia de areias finas e suaves com água transparente de azul marinho intenso deixa-nos rendidos. Pensamos: como pode um lago de água doce fazer ondas? E as rochas que a rodeam de um cinzento claro que combinam em harmonia pintando a natureza de um tal bom gosto que deixa qualquer turista pasmado. Já para não falar do por do sol. Inesquecível. O lodge tem um local especificamente criado para o admirar. Todos os dias o astro rei desce para o sono profundo espalhando uma palete de cores entre o vermelho, lilás, amarelo-torrado, colorindo os ramos nus de algumas árvores de várias tonalidades. Fotografar estas silhuetas é registar no seu álbum de memórias uma passagem única na sua vida.
Os responsáveis pelo Nkwichi Lodge ao anoitecer fazem uma surpresa na praia. Acendem uma fogueira e colocam várias cadeiras ao seu redor que nos recebem com um aconchegado coktail, ou simplesmente uma água fresca. Todos os dias escolhem ainda um miminho, seja coco descascado, batatas fritas, entre outros petiscos e assim que a luz adormece somos iluminados e aquecidos por uma fogueira ao estilo dos escuteiros quando se reúnem no chamado fogo conselho e é ali – com apenas a natureza e algumas lamparinas acesas por companhia, que volta a estar consigo mesmo e com os outros. Sem televisão. Sem rádio. Sem computador e sem telefone. Ao jantar contam-se histórias e lendas. Ouvem-se experiências de vida e aprende-se com um saber oral que há muito se perdeu.
Dormir com a natureza
Há noite quando recolhe ao seu quarto, todos eles diferentes, terá uma sensação única, quase experiencia dormir ao relento, pois as construções feitas de materiais locais deixam a natureza entrar na sua intimidade. Um babuíno, uma cobra e alguns insectos podem, fazer-lhe companhia. De manhã pode cruzar-se com um lagarto gigante, daqueles ameaçadores mas inofensivos. E se tomar o pequeno-almoço na varanda os macacos tentarão roubar-lhe comida, por isso não se assuste.
E tomar um banho sem paredes, entre as árvores com uma vista deslumbrante sobre o lago? Já pensou! Pois aqui os chuveiros, os lavatórios e as banheiras têm as árvores como casa. E pasme-se, a água sai bem quentinha, sendo, contudo aquecida por painéis solares, assim como todo o lodge tem poupança de energia. Este é um dos conceitos deste projecto. Tudo foi pensado a preservar o ambiente. Há reciclagem de materiais e de desperdício como as garrafas de vinho que são empalhadas e vendidas como objecto de decoração, por exemplo.
Só assim se pode preservar o paraíso. É este o conceito do lodge. Uma perfeita comunhão com a natureza. Vivê-la e senti-la na sua plenitude. É maravilhoso! Há percursos na vida que são mais difíceis de fazer mas na realidade são aqueles que mais valem a pena, certo? Os que maiores ensinamentos nos dão, os que mais memórias nos deixam, os que arrancam as nossas emoções do fundo do nosso ser.
África tem lugares assim!
Texto: Teresa Cotrim
Fotos: Teresa Cotrim e Carlos*
*Do fundo do lago Niassa
http://viajar.sapo.mz/descobrir/artigo/448