Maputo(Canalmoz) - Economistas moçambicanos divergiram em Maputo sobre a amplitude da crise mundial, mas concordaram que África só pode desenvolver-se apostando em factores internos, porque as ajudas internacionais são enganadoras. Uma visão transmitida durante a 5ª. Conferência Económica do Millennium Bim, o maior banco moçambicano, cujo capital social é detido maioritariamente pelo Millennium BCP, de Portugal. Durante a tarde Rajendra de Sousa, Abdul Magid Osman e João Mosca debateram o "Desenvolvimento económico em África no período pós-crise no contexto das alterações geoestratégicas de poder", defendendo que o continente africano tem de olhar para dentro de si procurar soluções endógenas para o desenvolvimento. A discussão centrou-se à volta da crise mundial mas também nas relações da China com África e da dependência deste continente em relação à ajuda internacional. João Mosca, economista e professor, considera que a grande parte dos Governos do continente não está interessada na "endogeneização dos processos de desenvolvimento económico" e considera Moçambique um exemplo. A economia, diz, é movida essencialmente graças a recursos externos, mas o investimento externo é virado para a exportação, sendo esse o interesse dominante dos agentes económicos e não sendo fácil aos Governos "entrar em linha de ruptura com esta teia de relações". "Se calhar o melhor que nos vai acontecer é os recursos externos começarem a escassear e termos de nos voltar para nós", diz o professor doutor Rajendra de Sousa, especialista em desenvolvimento rural. A situação de África também não é a melhor para atrair investimento estrangeiro, segundo Magid Osman, antigo ministro das Finanças, comparando o continente com a China, que tem capacidade financeira e de construção. "Um bom investidor está de óculos escuros, não está a ver a localização do país, está à procura de retorno de capitais", diz, acrescentando que África, "sem infra-estruturas, sem telecomunicações, sem mão-de-obra qualificada" acaba por "passar ao lado". Um dólar investido na China faz 1,30 dólares, um dólar em África faz 60 cêntimos, afirma. Transversal a tudo isto há uma crise que começou há um ano e três meses, como recorda João Figueiredo, presidente da Comissão Executiva do Millennium Bim. Crise que, diz, começou por ser financeira, depois passou a económica e finalmente a social, esta de mais difícil recuperação. Moçambique, afirma o CEO do Millennium-bim, embora com menos efeitos, acabou por sofrer com a queda do investimento estrangeiro e atrasos na concretização de projectos. Agora, diz João Figueiredo, parece que "a crise pode ter chegado ao fim", tudo indicando que se tenha surgido "uma nova ordem internacional". Para o Prof. Dr. João Mosca, esta foi "uma crise de curto prazo, conjuntural, com efeitos fortes nos países desenvolvidos mas em que África sofreu bastante lateralmente", embora, por se tratar de um continente em desenvolvimento, o "bastante lateralmente" seja relativo.
A crise provocou alterações profundas
Magid Osman defende, ao contrário, que a crise provocou "alterações profundas". Com todos a defenderem que a grande oportunidade para África saída da crise é a procura de modelos de maior endogeneização dos processos de desenvolvimento; e a ser consensual também que África não pode influenciar a economia internacional; da assistência veio também um alerta: "fala-se muito do novo milénio e nós aqui nem sequer uma bicicleta sabemos fazer".
África não é um continente pobre mas sim empobrecido – diz Joaquim Chissano
Por seu turno, o antigo chefe de Estado moçambicano, Joaquim Alberto Chissano, defendeu num dos painéis que África é um continente empobrecido - diferentemente do discurso que tem sido propalado, acerca de os países africanos não serem os mais pobres do mundo, nem o continente, o mais desprovido de todos. Num jeito de partilha de culpa, Chissano disse que a pobreza que hoje assola a África é fruto de diferentes factores combinados que têm como epicentro a colonização. Disse que quando os países ocidentais ajudam os africanos, fazem-no com uma responsabilidade de culpa. “Nós não somos absolutamente culpados da pobreza e da miséria, há também quem tem sua porção de culpa nisso tudo”, afirmou o ex-presidente da República de Moçambique. O ex-estadista moçambicano disse ainda que, mesmo apesar da crise, os países ocidentais têm o dever de ajudar os países africanos porque, caso contrário, seria uma atitude muito egoísta da parte deles. “Tenho sempre refutado a ideia de que os países ocidentais vão reduzir os seus apoios a África, porque a África está como está hoje não por causa do africanos. Portanto seria uma atitude de absoluto egoísmo se eles parassem com a ajuda aos orçamentos”, disse Chissano. Relativamente às imposições devido ao orçamento, Chissano disse que mesmo no período em que esteve à frente do Governo moçambicano, as políticas nem sempre foram traçadas ao nível dos doadores porque se assim fosse, o País teria graves problemas. “Nós não podíamos lograr sucessos se cedêssemos tanto às políticas e imposições do Fundo Monetário Internacional. Às vezes tínhamos que ceder, mas maioritariamente tivemos que mostrar a nossa ideia”, revelou.
Temos que aprender que só com o conhecimento podemos mudar o mundo e adequá-lo ao nosso próprio bem
“É preciso que comecemos a desenvolver o conhecimento. Usar a nossa forma de fazer as coisas de modo a transformar os recursos que temos com vista a colmatar as nossas necessidades. Temos que aprender que só com o conhecimento é que podemos mudar o mundo e adequá-lo para o nosso próprio bem”, concluiu Joaquim Chissano. O antigo chefe do estado fez parte de um painel que era composto por quatro oradores: o antigo ministro dos Transportes e Comunicações e ex-ministro da Informação no governo de Samora Machel, Dr. Luis Cabaço; o economista Roberto Tibana e o jornalista português, Perez Melo. “O combate à pobreza em África à luz da nova ordem económica mundial” . Intervindo no encontro, o economista Roberto Tibana disse que um dos pontos fulcrais a que se tem assistido em África é a questão do fosso social entre as classes, onde os que detêm os meios, os têm de forma monopolizada, ou seja, os ricos são muito ricos e os pobres também são muito pobres. Afirmou que isso resulta da má divisão da riqueza entre o Governo e o povo. Acrescentou ainda que é preciso que os países africanos potenciem mais as suas capacidades de governação económica. Falou do acesso aos meios de luta contra pobreza, tendo dito que é preciso que os governos proporcionem facilidades de acesso aos meios. Citou o exemplo do drama que se vive em Moçambique no tocante ao acesso à terra.
Ter acesso à terra é um martírio
Tibana criticou a burocracia desencorajadora da luta contra a pobreza, na qual o Pais está mergulhado. “Fala-se do Direito do Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) mas, de facto, para o ter, é um martírio. Por isso temos famílias empilhadas com filhos de idade já avançada mas que não têm lugar para morar, pois o Governo não facilita. O que todos queremos é que quando os nossos filhos tiverem a idade da responsabilidade, possam ter as suas casas. Mas a burocracia existente fomentada pelo governo não facilita”, disse aquele economista.
Diferenciar tipos de colonialismo
Por seu turno, o reitor da Universidade Técnica, Luís Cabaço, disse que aquilo a que assistimos agora é uma troca recíproca de acusações em termos de prováveis culpados de empobrecimento de alguns, e enriquecimento de outros. É preciso notar e diferenciar o tipo de colonização que África sofreu com a do continente asiático e americano, por exemplo, defendeu. O que os países africanos têm de fazer agora é desenvolver políticas capazes de tirar os países da pobreza. Por seu turno, o jornalista português, Perez Melo, disse que a única coisa que os países africanos têm a fazer é desenvolver boas políticas de governação. Para aquele jornalista, é possível que África saia da pobreza e da crise - bastando para isso que as políticas sejam de acordo com as necessidades do povo. Defendeu ainda que é preciso que o orçamento seja investido em áreas práticas que possam trazer mudanças notórias na vida da população. Opinou que o investimento não é sinónimo de gastar, mas, sim, exercício do conhecimento e da experiência. (Redacção, com Matias Gente / Lusa / OJE)
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