Beira (Canalmoz) - O Arcebispo da Beira, Dom Jaime Gonçalves, alerta para o eminente perigo da ruptura da paz no País. Dom Jaime alega o desrespeito pelos termos do Acordo Geral da Paz, assinado em 1992, pelos então beligerantes da Guerra Civil de 16 anos, que reduziu o país a escombros, e levou a que perdessem a vida mais de um milhão de moçambicanos. Dom Jaime pronunciou-se na cidade da Beira, no dia 24 de Dezembro, por ocasião da celebração do Natal. O Arcebispo da Beira foi um dos principais negociadores da paz em que se conseguiu que se sentassem à mesma mesa, o presidente do então movimento de guerrilha – a Renamo – Afonso Dhlakama, e o então chefe do Estado moçambicano e presidente da Frelimo, Joaquim Chissano, depois de anos de diálogo entre as partes, em que os chefes das respectivas delegações foram Armando Guebuza (actual PR e presidente da Frelimo), pelo governo, e Raul Domingos (actual presidente do PDD), pelo Movimento Nacional de Resistência (RENAMO), respectivamente. Os principais signatários do Acordo Geral de Paz estão a violar os termos do entendimento, assinado, em Roma, a 4 de Outubro de 1994, o que se traduz em instabilidade política, social e económica no País, refere agora Dom Jaime Gonçalves, dias antes do Conselho Constitucional promulgar válidos os resultados eleitorais, anunciados há várias semanas pela Comissão Nacional de Eleições, o que deverá ocorrer ainda hoje no Centro de Conferências Joaquim Chissano, em Maputo. “Não restam dúvidas que os cenários a que assistimos nos últimos tempos no nosso País, com destaque para as confrontações políticas durante a campanha eleitoral, são sinónimo de que precisamos de uma paz preventiva”. “Precisamos de uma reconciliação, passando por uma justiça igual e não tribal, étnica ou partidária”, defende este arcebispo que é dos principais mediadores da Paz em Roma. “Não se pode construir uma sociedade sólida e feliz sem justiça. O que se constrói na injustiça não tem futuro”, disse à imprensa, o Arcebispo da Beira por ocasião do Natal. Dom Jaime lamentou também o facto de muitos concidadãos “estarem a transformar agendas nacionais em pessoais, étnicas, regionais ou políticas, relegando para o segundo plano aquilo que foi definido nos vários acordos de Roma”. “Assinámos o Acordo de Roma e definimos vários caminhos rumo a uma democracia sã. Hoje, volvidos 17 anos, vejo com tristeza que parte daquilo que foi acordado para o bem comum dos moçambicanos está sendo violado pelos signatários dos acordos, pondo em causa a reconciliação, justiça e, por conseguinte, a paz. Portanto, precisamos de uma paz preventiva”, disse o Arcebispo.
Aproximar objectivos comuns
Todos os moçambicanos devem aproximar os objectivos comuns que visam o desenvolvimento do País – acrescentou o prelado – “tal como o filho de Deus, Jesus Cristo, lutou para unir os homens há mais de dois mil anos morrendo na cruz para salvar a humanidade”. “É importante em Moçambique prevenir a paz. Prevenir é fazer ver com que, afinal de contas, aquilo que pode provocar a falta de paz, pode ser prevenido e não remediado. Portanto, seja esse o Natal de 2009, um ano em que os povos de África e de Moçambique vivam reconciliados com Deus e entre si, para viverem e praticarem a justiça, a paz”. “Isso é possível ser concretizado”, afirmou Dom Jaime Gonçalves. “É isso que pretendemos com a celebração do Natal de 2009” – sustentou o Arcebispo da Beira. Na Missa do Galo, na Sé Catedral, na Beira, Dom Jaime sustentou também que “Moçambique precisa de reconciliação nas instituições sociais e públicas”. “A África, em geral e o país em particular, precisam de reconciliação tendo em vista a harmonia, que é importante marco para o crescimento dos povos”
A Igreja não pode ficar calada
“A igreja não pode ficar calada, pois deve apoiar iniciativas. É importante que todos nós assumamos os três temas, nomeadamente a reconciliação, paz e justiça”.
A democracia é o caminho para o desenvolvimento
“Apesar das injustiças, pobreza e má governação, os africanos, em geral e os moçambicanos, em particular, precisam despertar, havendo para o efeito esperanças de melhoria de vida, na medida em que já nascem neste continente e país filhos que compreendem que a democracia é o caminho para o desenvolvimento”. Mantendo o mesmo fio da meada sobre “a paz preventiva”, Dom Jaime elucidou que “é difícil lutar pela justiça, conservar a paz em Moçambique, visto que já matamo-nos muito depois da assinatura do Acordo de Paz, mas é preciso fazer algo. Portanto, a igreja está disposta a apoiar nesse campo”.
“Perigo grave”
Sobre o futuro de Moçambique, Dom Jaime destacou os moldes em que se desenvolve actualmente. Referiu que “há um perigo grave para o futuro do país”. “Podem ter a certeza que estes jovens, que amanhã serão seguramente adultos e nossos dirigentes, vêem hoje na injustiça uma forma de conquistar o Poder e o Dinheiro, daí que para eles a injustiça será o caminho certo.” Por outro lado o arcebispo Dom Jaime afirmou que “ainda está difícil a relação entre os ricos e os pobres”e “está difícil também a prática de justiça nas instituições de justiça”.
Os pressupostos da Paz Preventiva
Recorda-se que em Setembro passado o Professor Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Sant’Egidio e também um dos co-obreiros do processo de paz em Moçambique, procedeu ao lançamento do livro “ A Paz Preventiva”, uma obra de investigação histórica e histórico-religiosa sobre a paz . “A Paz preventiva - Esperanças e Razões num mundo de Conflitos” é fruto de um trabalho exaustivo sobre a perspectiva cristã quanto ao processo de paz ao longo da história, particularmente no século XX, e onde também é assinalado o processo de paz em Moçambique e o contributo da Comunidade de Sant’Egidio para pôr fim à guerra dos 16 anos. As questões sobre o ecumenismo como movimento de base para o diálogo inter-religioso entre cristãos e também entre cristãos e muçulmanos assim como com outras confissões religiosas fazem igualmente parte deste estudo sobre a possibilidade de o Homem se prevenir para que a paz seja alcançada. A paz em Moçambique deve-se muito à Comunidade de Sant’Egidio e particularmente ao Professor Andrea Riccardi, que é um conhecido batalhador pela paz no mundo, pelo diálogo entre todos os seres humanos e um cristão atento aos terríveis problemas mundiais que afectam a própria sobrevivência do nosso planeta. “Decerto já estamos percebendo que não se pode vencer a guerra com a guerra, ou, ao mesmo, somente com ela. Mas não sabemos como será o amanhã. Podemos imaginá-lo, podendo apenas falar sobre a presença de tantas armas, do fácil acesso a elas, sobre a presença de tanto ódio, de tantas paixões, de numerosas e ameaçadoras situações de tensão. Existe a necessidade de entender melhor o que é a guerra hoje e de enfrentá-la de maneira mais adequada”, citamos um extracto no referido livro.
Sobre manifestações agendadas pela Renamo
Instando a se pronunciar sobre o escrutínio de 28 de Outubro passado Dom Jaime referiu que “ na pré- campanha eleitoral houve violência e isso foi sinal de que a paz estava em perigo e a igreja se pronunciou sobre esta situação”. O pensamento do prelado em relação a violência foi já manifestado durante a campanha eleitoral. “Escrevemos três ou quatro vezes a informar que as pessoas que se tinham comprometido com o Acordo Geral de Paz em Moçambique agora estão a praticar a violência. E agora quem é que vai praticar a Paz? Chamando-nos mutuamente para não quebrar este fruto colhido em Roma. A paz preventiva não termina hoje, ela acompanha a evolução da sociedade”. A uma pergunta sobre agendadas manifestações da Renamo o arcebispo Dom Jaime Pedro Gonçalves disse ser prematuro pronunciar-se. “Isso faz parte dos actos que um partido pode realizar num país democrático. Mas se pode ou não ser feito é uma questão de se ver a Lei, se esta de facto permite ou não, e não só condenar a manifestação. Se for uma acção legal, eu não sei”.
A Polícia com aparente agenda política
Recorde-se que a Polícia da República de Moçambique, através de seus diversos comandantes, vem envidando esforços para perverter o sentido das manifestações anunciadas pelo maior partido da oposição para se opor à promulgação dos resultados das últimas eleições gerais e provinciais. Aparentemente, em cumprimento de agendas políticas, desde o vice-ministro do Interior, José Mandra, o porta-voz do Comando Geral da PRM, Pedro Cossa, passando por diversos comandantes províncias da PRM, até à mais recente do Comandante da PRM em Sofala, Zacarias Cossa, todos têm estado a “satanizar” as manifestações anunciadas pela Renamo, tentando fazer crer à população, que as manifestações políticas constituem um crime, e prometendo, por conseguinte, combatê-las.
Conselho Constitucional
O CC (Conselho Constitucional) anunciou que vai hoje promulgar em acto público no Centro de Conferências Joaquim Chissano em Maputo, as eleições. Armando Guebuza deverá ser confirmado com chefe de Estado e a Frelimo deverá ver também homologada a sua vitória nas Legislativas e Provinciais. A Renamo está indignada com a forma como foi excluída pela Comissão Nacional de Eleições nas provinciais e ainda com o facto de ter sido copiosamente derrotada nas legislativas, e tem vindo a prometer reagir contra, através de manifestações em todo o País. Por seu turno a Frelimo promete para hoje manifestações para celebrar a vitória. As manifestações tanto da Frelimo como da Renamo, se realmente vierem a realizar-se, receia-se que possam redundar em violência. (Adelino Timóteo e Borges Nhamirre)
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