Esperar que os mais novos façam perguntas antes de falar no tema e explicar os afectos em vez da sexualidade. São estes os conselhos dos psicólogos. Há livros infantis que já mostram pais diferentes
Já pensou como explicar aos seus filhos o casamento entre pessoas do mesmo sexo? A primeira resposta dos psicólogos é simples: espere pelas perguntas. E se tiver dificuldades já há livros infantis que pode abrir: no Livro do Pedro, Maria tem dos pais; e em De Onde venho? uma menina tenta perceber como coube nas barrigas das mamãs Carlota e Ana.
"Conhecia amigos homossexuais com filhos de relações anteriores e apeteceu-me escrever sobre isso", conta ao DN Manuela Bacelar, autora e ilustradora de O Livro de Pedro. Por isso, escreveu a história de Maria, filha de Pedro e de Paulo. Um livro que não causou mais dificuldades do que os outros. "O tema é abordado com naturalidade, com frescura."
Para a escritora, é assim que os pais devem falar com os filhos. "Não é um livro para ser impingido. Mas se surgir a questão e sentirem dificuldades pode ajudar", diz. E porque são realidade que já existem, lembra, essas crianças também têm direito a ter um livro que fale sobre elas. Aliás, a obra de Manuela Bacelar é apontada como o primeiro livro infantil português a abordar o tema. Antes, só existiam dois livros traduzidos do espanhol, lançados pela ILGA para superar o que consideravem ser uma lacuna no mercado português (ver caixa). Os três fazem parte das leituras recomendadas da Casa da Leitura da Gulbenkian.
Para a psicóloga clínica Ana Lacerda é importante lembrar que "as crianças não tem ideias pré-concebidas sobre o que é o casamento". Por isso, não vão ter um choque de valores ao serem confrontados estas histórias ou situações, porque ainda não tem os seus valores definidos. "Os adultos têm aqui o papel fundamental, portanto", diz. E a explicação dependerá sempre dos valores que querem passar aos filhos.
Para a pedopsiquiatra Inês Gonçalves, os pais devem começar a falar nisso quando surgem perguntas. "Falar antes só serviria para enfatizar a diferença", diz. A melhor forma de explicar é dar ênfase à parte afectiva, acrescenta Ana Lacerda: "Devem falar de afectos e não de sexo. A partir do momento em que as crianças compreendem o amor entre adultos, podem perceber que há homens que amam outros homens."
Mas então porque é que antes não podiam casar e agora podem? "É importante explicar que estas pessoas são uma minoria" e que tiveram de lutar por este direito. E até que há pessoas que continuam a achar que é errado, conclui. Porque sendo uma questão fracturante vão encontrar outros que pensam de maneira diferente e devem estar preparadas para isso.
E os pais também devem estar preparados para perceber quando deixa de fazer sentido falar dois papás e duas mamãs. "Para crianças mais pequenas é adequado, porque estas vêem os pais como cuidadores e não se preocupam com a sua identidade sexual. Mas quando já há uma noção de como as crianças vêm ao mundo é altura de usar termos mais correctos."
A psicóloga lembra ainda que os adultos têm a árdua tarefa de dar uma resposta correcta protegendo as crianças do conteúdo explícito da sexualidade, para o qual podem não estar preparadas e que podem ser prejudiciais ao seu desenvolvimento. "As crianças fazem muitas vezes perguntas para as quais não estão preparadas para ouvir as respostas", conclui, recomendando que se usem boas metáforas, como sempre se fez.
Dois anos depois da publicação de O Livro do Pedro, Manuela bacelar diz que as reacções menos naturais acabam por ser as dos adultos: "As crianças só querem uma casa e dois adultos equilibrados que tomem conta delas, que as amem."
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