Esta é uma estória bem velhinha, mas de moral bem atual e para a qual nem sempre atentamos como deveríamos.
Vindo dos recônditos da Serra da Gorongoza, chegou ao hospital da Beira um velhinho de origem européia, transportado em machila por indígenas de aspecto selvagem e quase nus, em estado de choque, todo quebrado e com alguns outros ferimentos não tão graves assim.
Depois de alguns dias no hospital, recomposto por alguns litros de soro e uma cama fofa acordou bem disposto. Depois de um farto almoço regado com um bom vinho, os médicos questionaram-no quanto ao que se tinha passado com ele. (Vamos chamá-lo de Manel Jaquim)
Manel Jaquim: Foi um leão!
Medico: Um leão?!!!
Manel Jaquim meio fanfarrão, quem sabe por causa do vinho: É, foi um leão que me deu um grande susto. Mas eu matei ele. Enfiei-lhe uma enxadada na cabeça e acabei com ele.
A noticia se espalhou. Um velhinho, muito velhinho mesmo, mas de coragem e sangue frio sem paralelo tinha enfrentado e morto um leão a enxadadas.
Choveram repórteres no hospital e se organizou uma entrevista coletiva.
O Manel Jaquim assustado com tanto estardalhaço tentava explicar na sua voz mansa: Não foi nada disso! O leão era mais velho do que eu! Eu estava trabalhando na machamba e quando levantei a enxada vi o leão preparar o bote e fiquei meio que petrificado. O leão, de velho que era, errou o bote e se estatelou na minha frente. Só tive mesmo que baixar a enxada na cabeça dele. Ele nem me tocou! Os ferimentos que eu tinha foram causados porque me esqueci que não tinha mais pernas e com o susto tentei correr para a minha aldeia e acabei por dar um grande tombo.
Repórteres: Que nada, o sr esta sendo modesto! Um leão á um leão! O sr é um homem de coragem! Etc
Estávamos em 75 e alguém perguntou o que ele achava do Dr Marcelo Caetano, da "revolução", do Dr Salazar...
Manel Jaquim nunca tinha ouvido falar deles. Foram retroagindo na historia e o sr Manel Jaquim de nada sabia...
Ante o espanto dos presentes o bom velhinho acabou por contar a historia dele. 2ª guerra mundial, 1ª guerra mundial, República ele não sabia de nada disso. Ele tinha, muito pequeno, acompanhado o Pai para Moçambique. Não lembrava mais o nome, mas na época ainda havia um rei ou rainha em Portugal. Avião, automóvel... ele ainda não conseguia entender como funcionavam. O Pai se estabelecera no interior viajando a pé até lá e de lá nunca mais saiu. Até chegar ao hospital nunca mais tinha visto um branco e nem imaginava que houvesse tantos. Tinha se criado na aldeia que os acolheu. Lá se casou e lá tinha os seus filhos, netos e bisnetos.
Os repórteres se mostravam de um modo geral emocionados com a historia do simpático ancião...
Aí um perguntou: E da FLAMA(FRENTE DE LIBERTAÇÃO DOS AÇORES, MADEIRA E ALGARVE- PARA BOM ENTENDEDOR...) . O sr já ouviu falar?
Manel Jaquim se transformou. Vermelho, meio gaguejando, visivelmente transtornado, se apoiou na muleta pôs se em pé e vociferou: Esses eu conheço! Desgraçados! Mataram-me um filho e os homens que tentaram resistir, levaram as crianças, estupraram as mulheres, roubaram-nos a colheita e o gado. Quase morremos de fome nesse ano. Esses eu conheço!!! e continuou soltando impropérios...
No dia seguinte as manchetes dos jornais locais eram bem esclarecedoras: LEAO VELHO E INDEFESO BARBARAMENTE ASSASSINADO POR REACIONÁRIO FORTEMENTE ARMADO!
MORAL DA ESTÓRIA...