“Ele é como uma gota de chuva nas dunas de Bazaruto!”, define Fogão, um dos empregados do resort Indigo Bay. “Aparece tão rápido como vai”. É assim que Luís Azevedo, mocambicano de 58 anos, habitante da ilha de Bazaruto há mais de 20 anos é descrito pelos nativos – os matsonga.
Dedicou toda a sua vida ao turismo. Nasceu na Ilha de Mocambique, é filho de pai português e mãe Angolana mas é a mamã Rosa, sua madrasta que lhe está no coracão. É a ela que liga a saber como tem passado. É ao soletrar o seu nome que os seus olhos cintilam.
Há um ano que vive a maior experiência de isolamento da sua vida. É o curador da Ilha de Sta. Carolina, uma das cinco que compõem o Arquipélago de Bazaruto. Ali habita com mais onze homens com a missão de guardar o paraíso, qual S. Pedro à porta do céu.
Veste-se com cores coloridas, usa um chapéu de palha bordado a búzios e nas horas livres, que alias lhe sobejam, faz os seus próprios colares e pulseiras de missangas. Na mão traz sempre um cajado de madeira com uma ponta de ferro com o qual vai espetando a areia enquanto caminha sereno. Sem pressa, afinal não tem a onde ir. Conhece cada milímetro do paraíso e fala de Sta. Carolina como se de um ser humano se tratasse.
-“Aqui habita um espírito muito forte”, afiança, enquanto nos leva num passeio entre uma cidade fantasma. Chega a arrepiar. Parece que vive com antepassados sem a sua presença física. “Um dos nossos empregados diz que levou uma bofetada durante a noite”, conta, a rir.
Os traços de outrora da construção das várias casas deixam a imaginacao completar o que fora esta ilha no passado.
Parece que Joaquim Alves, um português abastado fora o primeiro a explorar a potencialidade deste local. Construiu um hotel com 40 camas, o passeio boulevard, uma magnífica Igreja erguida num dos locais mais belos do mundo. Um convite à oracão.
A sua imponência leva um ateu a reflectir na possibilidade de existir, de facto, um ser superior. Luis acredita piamente que algo de mágico se passa neste local. “Há anos que se tenta aqui construir uma nova história e sempre algo acontece para o retardar”. Primeiro quem ficou com a concessão num leilão, após Dona Ana ter falecido em Portugal – como não haviam herdeiros o Instituto de Crédito de Moçambique através do Banco Popular de Desenvolvimento leiloou este património, ganhando um homem ambientalista mas sem dinheiro para investir.
Mais tarde caiu nas mãos de John Camp, um antigo dealer de armas que nada fez para reerguer a ilha, actualmente está nas mãos do Grupo árabe Rani que há muito investe em Mocambique, sempre com preocupacoes ambientais. Tem ajudado a populacao local e já construiu um centro de apoio em Bazaruto . Luis trabalha para esse Grupo e garante que tem tentado desenvolver os locais onde se implementam mas a crise bateu à porta de todos, inclusive dos árabes, por isso as obras aguardam melhores dias.
Continuando o nosso passeio Luís leva-nos ao espaço de lazer erguido sobre uma das mais belas paisagens do mundo. As colunas decoradas com minúsculas pedras castanhas, as escadas feitas de areia e conchas e ainda a arquitectura tipicamente portuguesa com as suas arcadas revelam o bom gosto pela simplicidade.
O actual responsável da ilha procura os restos do passado, aqueles que podem reescrever as memórias de Sta. Carolina. “Encontrei este quadro antigo que nos mostra a beleza deste local. Aqui ve-se como era o hotel, as habitacoes e ate que o espaço de lazer foi ampliado”, aponta com a sua vara das caminhadas para a parede do seu quarto onde o pendurou. Em cima da sua mesa de cabeceira está o sino da Igreja resgatado da areia e na sua cama secam as recentes aguarelas que pintou.
Uma é a Igreja, outra um homem moçambicano. As suas tintas dão cor a uma casa degradada mas que lhe tem servido de tecto durante o ultimo ano. “Como poderia deixar de pintar se os meus olhos todos os dias são tentados por estas cores”, questiona.
Luís Azevedo conta que Joaquim Alves casara com Dona Ana, uma moçambicana por quem se apaixonara. “Dizem que aquela estátua é a Dona Ana”, aponta para uma escultura branca encostada a uma palmeira. Parece que ali passavam férias com os amigos e que iam à praia dos namorados. E pouco mais sabe. Lembra-se em 2000 de a ilha ainda receber pessoas, a nível privado mas desde essa época que as casas por falta de uso perderam habitabilidade.
Na ilha existe ainda uma prisão que data de 1850. “Aqui conta foi encontrado um esqueleto ainda com algemas mas o último ciclone levou-o”.
As torres de vigia estão em ruínas mas dá para ver que a construção é de areia e conchas, alias como o resto das casas motivo pelo qual tudo terá de ser destruído por estar com salitre e ferrugem. Luis garante que o entulho será reaproveitado na reconstrucao do aeroporto. Uma pista de 700 metros que receberá apenas pequenos aviões e hilicopteros. Mas a maioria das pessoas irá à ilha de barco. A meia hora de Bazaruto é uma viagem que vale a pena. Mais não seja para ver tartaguras e golfinhos a nadarem livremente nestas águas impolutas.
Quando se mergulha nestas praias sente-se a felicidade de sentir o poder da natureza. Os recifes estão intactos, os peixes não fogem dos humanos – quase novidade para eles, a areia branca da praia continua imaculada, os mangais são o resort de luxo de caranguejos, camarões e milhares de pássaros. É de um beleza inacreditável. Por isto, Luís diz não se sentir só. “Tenho este mar imenso. Lindo. Passarinhos e ar puro. Não me canso de aqui estar” e quando a solidão assola o seu peito vai a Bazaruto visitar os amigos e a Maputo ver os dois filhos. Tem uma visão tranquila da vida.
Precisa de muito pouco para ser feliz. Quando a ilha recebe turistas vai até à praia para os cumprimentar, uma forma de não se tornar bicho da ilha. E com orgulho retira o telemóvel do bolso exibindo uma fotografia sua com o famoso actor Richard Gere. Porém, depressa pensa em voltar para o silèncio dos seus pensamentos. “Habituei-me de tal forma a estar comigo que já me transtorna a confusão”, confessa.
Ali ficará até as obras começarem depois vai realizar o seu sonho. Construir um centro cultural para a população. E fala de olhos humedecidos deste seu projecto.
Há 20 anos a viver em Bazaruto é o único Mocambicano a quem foi dada autorizacao para aqui construir uma casa. Já tem local para abrigar o seu centro faltam os apoios. “Está quase. Está quase”, acredita, enquanto se despede de nós, batendo com o chapéu no coracao, ao longe ouvimos ainda as suas palavras:
- “Já sou um matsonga!”
Texto e fotos: Teresa Cotrim
http://viajar.sapo.mz/cultura/artigo/418