Perplexidade e preocupação de autoridades católicas
Para a igreja, a novidade pode ser devastadora nas mãos erradas
AFP | 21/05/2010 10:09
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A bactéria M.mycoides, com seu genoma artificial, é vista com receio por membros do Vaticano
Autoridades católicas italianas expressaram perplexidade e preocupação com o anúncio da criação da primeira célula viva dotada de um genoma sintético, e destacaram um potencial "devastador salto ao desconhecido".
"Nas mãos erradas, a novidade de hoje pode representar amanhã um devastador salto ao desconhecido", afirmou o bispo Domenico Mogavero, presidente da Comissão para Assuntos Jurídicos da Conferência Episcopal italiana, em entrevista ao jornal La Stampa.
"O homem vem de Deus, mas não é Deus: é humano e tem a possibilidade de dar a vida procriando e não construindo-a artificialmente", acrescentou.
A criação da primeira célula viva dotada de um genoma sintético foi anunciada na quinta-feira. A experiência abre caminho para a produção de organismos artificiais, segundo os coordenadores da pesquisa realizada nos Estados Unidos.
"É a natureza humana que dá sua dignidade ao genoma humano, não o contrário. O pesadelo contra o qual tempos que lutar é a manipulação da vida, a eugenia", disse Mogavero.
Para o teólogo Bruno Forte, arcebispo de Chieti-Vasto, região central da Itália, "a preocupação pode ser resumida em uma pergunta: o cientificamente possível também é justo do ponto de vista ético?".
"A resposta está em um parâmetro que une todos nós, não apenas os cristãos: a dignidade da pessoa humana", declarou Forte ao jornal Corriere della Sera.
O arcebispo destacou, no entanto, a "admiração pelas capacidades da inteligência humana que se manifestam de forma regular e elevada".
O padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, se mostrou prudente ao afirmar na quinta-feira à noite que era preciso esperar para ter mais informações sobre o novo feito.
A descoberta dos pesquisadores americanos é um avanço com múltiplas aplicações potenciais e que deve permitir compreender melhor os mecanismos da vida.
"Trata-se da criação da primeira célula viva sintética", explicou Craig Venter, criador do Instituto de mesmo nome e coautor da primeira sequenciação do genoma humano, revelada em 2000.
"Nós chamamos de sintético porque a célula se deriva totalmente de um cromossoma sintético, criado com quatro frascos químicos em um sintetizador químico, começando com a informação em um computador", explicou, classificando o êxito como uma "etapa importante científica e filosoficamente falando".
"Essa obtenção muda certamente minha visão da definição da vida e de seu funcionamento", acrescentou o pesquisador, cujos trabalhos são difundidos na revista Science.
"Isso se converte num instrumento muito poderoso para tentar desenhar o que esperamos da biologia e pensamos em uma gama muito ampla de aplicações", precisou.
Craig Venter havia anunciado em 2008 que conseguiu, com sua equipe, fabricar um genoma bacteriano 100% sintético pegando sequências de DNA sintetizadas para reconstituir o genoma completo da bactéria Mycoplasma genitalium.