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notcias: MIA COUTO
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De: isaantunes  (Mensaje original) Enviado: 11/09/2010 20:48

09/09/2010
Mia Couto.jpg
 

Por Eduardo Castro (Correspondente da EBC em África)

O escritor moçambicano Mia Couto acredita que a revolta popular da semana passada vai levar o governo de Moçambique a tomar medidas na área social, que há muito tempo rolam nas gavetas dos governantes do país. “Alguém da comunidade doadora me dizia que, de repente, coisas que estavam sendo discutidas há anos passaram a ser simples de serem aceites pelo governo”, afirmou ele, em entrevista à Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

As mudanças podem incluir o fortalecimento de programas sociais, que não saem do papel por falta de infraestrutura para aplicação e fiscalização. Mas o escritor acha que é preciso ter claro que os passos serão cuidadosamente acompanhados. “O governo é capaz de ter uma agenda autônoma, independente? Não, não é. E nem sei se quer ser”.

A comunidade doadora a que referiu o escritor são os países que ajudam economicamente Moçambique. Cerca de 40% do orçamento de Moçambique vêm de doações da comunidade internacional. Arrasado pela guerra civil nos anos 1990, e na década anterior vivendo dificuldades no período em que adoptou o socialismo após a independência, Moçambique abriu o seu mercado, privatizou boa parte dos bens públicos e recebeu uma enxurrada de investimentos estrangeiros. Mesmo assim, a sua população continua como um das mais pobres do mundo, pelos índices internacionais de renda e desenvolvimento.

“Hoje em dia, essa governação é muito feita a partir de fora”, afirmou Mia Couto. “Moçambique tem compromissos dos quais não pode fugir. Está entalado entre o que tem que fazer por compromisso (porque precisa de empréstimos e doações), e o que tem que fazer por consciência própria. É uma posição muito difícil, que não pode ser reduzida a um julgamento sobre se o governo é bom ou mau”.
Para Couto, a margem é pequena, mas ainda assim maior que em outros países - por necessidade dos organismos internacionais comprovarem as suas próprias teses.

“Moçambique é um dos últimos casos para se mostrar que essa linha é viável. Então as instituições permitem que aqui se vá um pouco mais longe, para pelo menos haver uma situação de êxito. Mas isso é frágil. Há pouco tempo, na Grécia – Europa, portanto – os tumultos foram muito parecidos e o governo grego também ficou entre a espada e a parede”.

Segundo Mia Couto, não se escapa deste labirinto sozinho. E países como o Brasil são importantes na busca por uma saída. “Hoje temos que ser do mundo. Temos que ser parte dele, e não existem dois. Mas está nascendo qualquer coisa. E o Brasil pode ser parte dessa alternativa, essa outra opção”.

“Há de haver um contraponto a essa voz única, que dita as economias do mundo e as regras do jogo. Essa hipótese de nascer um contraponto no sul do mundo... Brasil, África do Sul aqui perto, Índia, China... pode ser algo que venha a nos permitir explorar outras possibilidades”, disse o escritor.

Na política moçambicana, Mia Couto acha que a explosão social também serviu para trazer o governo para um caminho que, segundo ele, havia sido abandonado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido do presidente Armando Guebuza, formado pelos guerrilheiros que conseguiram a independência de Portugal, em 1975.

“Sobreviveu uma coisa que era antiga na Frelimo: a ligação profunda com as pessoas”, disse o escritor. “Isso é o mais importante. Vivo este processo desde que tenho consciência, fui militante da Frelimo por muitos anos e senti agora que venceu essa linha popular sem ser populista, de ir aos bairros, ouvir as pessoas onde elas vivem, mantendo um diálogo mais profundo. Os ministros foram para o locais onde havia revolta, sentaram-se e escutaram a população. E isso foi fundamental para mudar a postura do governo, primeiro arrogante e tentando resolver pela via policial, para a posição adotada depois, de rever as decisões”.

Depois de quase uma semana de bloqueios e manifestações, além da confirmação oficial da morte de 13 pessoas nos enfrentamentos com a polícia, o governo resolveu congelar os aumentos do pão, água e energia, além de salários estatais e gastos públicos. “Fiquei muito feliz com a mudança de postura do governo. Não pelo conteúdo das decisões em si, mas pelo facto da Frelimo e a cúpula terem aceito, pela primeira vez, que há um problema, e que não é só econômico – tem a ver com moral. Obrigou a essas pessoas a se olharem no espelho. O problema também é dos dirigentes e este apertar de cintos precisa ser partilhado por todos”.

“Isso foi um acontecimento”, disse ele, no escritório em que trabalha como biólogo, numa rua tranquila de Maputo. “E o risco era ser um não acontecimento. Que esse motim passasse, ficasse no registo das coisas que não aconteceram. Ou ainda como um assunto marginal - ou de marginais, resolvido ao nível policial, que não obrigasse a pensar coisas”.

Actualmente, Mia Couto é um dos mais premiados escritores da língua portuguesa. Filho de portugueses, nasceu na cidade da Beira, em 1955. Estudou medicina, formou-se em biologia, mas adoptou o jornalismo depois da queda da ditadura em Portugal, em 1975. É um dos autores do hino nacional moçambicano, adoptado em 2002.

Terra Sonâmbula, seu primeiro romance, de 1992, foi considerado um dos doze melhores livros africanos do século 20 por um júri criado pela Feira do Livro do Zimbabwe. Mia Couto é sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras, ocupante da cadeira 5, que tem por patrono Dom Francisco de Sousa.

Dono de uma narrativa particular, usa muitas palavras de dialectos moçambicanos na sua prosa, sendo comparado a Guimarães Rosa pelo tratamento dado à língua. O seu romance mais recente, Jerusalém, foi publicado no ano passado.

Actualmente, finaliza um livro de poesia e já trabalha no próximo romance, “sobre os leões que comem gente na província de Cabo Delgado”, divisa de Moçambique com a Tanzânia.

http://www.radiomocambique.com/rm/noticias/anmviewer.asp?a=5032&z=108


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