Beira (Canalmoz) - Compreender que as medidas tomadas ou ensaiadas pelo governo face à escassez de alimentos e alto preço de produtos é fácil como do conjunto de medidas anunciadas se pode perceber que o que agora se está a tentar fazer há muito tempo que já deveria ter sido feito. Mas lá diz o ditado: “Mais vale tarde do que nunca”. Pena é que o governo não tenha percebido – pese embora o primeiro aviso de 05 de Fevereiro de 2008 – que tem de trabalhar. Mas no esforço de entender o significado amplo das tais medidas agora precipitadas e atabalhoadamente anunciadas, algumas interrogações surgem que merecem tratamento adequado sob risco de uma vez mais ficarmos por meias medidas sem aquele impacto de que o País tanto precisa nestes dias que primeiro se começou por dizer que era mal que nunca nos chegaria, mas que agora se admite que são realmente de “crise”. Mas temos de compreender que a solução dos problemas, por mais complexos, não acontece pela única via de locação de recursos financeiros. Dinheiro só gera dinheiro com muito trabalho e boa gestão, sobretudo uma gestão austera. Em experiências anteriores, como a do financiamento dos Antigos Combatentes pela Caixa de Crédito e Desenvolvimento Rural do ex-BPD (o tal Banco Popular de Desenvolvimento) provaram-se falhanços porque não havia da parte dos receptores dos fundos, conhecimentos, experiência, orientação e condições logísticas que completassem aquela injecção de fundos. Foi como jogar fundos para a drenagem uma vez que os objectivos definidos jamais se concretizaram e os fundos não foram devolvidos. Por outras palavras: tratou-se de mais uma operação de crédito concedido sob condições completamente politizadas. Talvez se tenha conseguido adiar a contestação de um segmento de pessoas que havia participado na luta armada de libertação nacional. Sossegou-se um grupo de pessoas através do saque puro de fundos de um banco estatal mas não se resolveu o problema da escassez de agricultores privados comerciais cuja tarefa é a participação na produção de alimentos e outras culturas em moldes comerciais para abastecimento nacional, em primeiro lugar, e exportação. Com o advento da economia de mercado assistiu-se à multiplicação de iniciativas empresariais distantes da agricultura em que o objectivo imediato dos investidores era a acumulação rápida de lucros sem olhar a critérios normais numa economia seja ela de mercado ou de controle centralizado. Mais uma vez a opção foi ir buscar aos bancos os fundos para investimentos, muitos mal estudados e inconvenientemente dimensionados. Nesse caso também prevaleceu a politização dos créditos e não é por acaso que a grande maioria de empresários ou empreendedores moçambicanos aparece vestida de vermelho nas ocasiões festivas e congressos do partido no poder. É a perfeita combinação de intenções de manutenção de um poder conquistado fora dos preceitos democráticos e que para ser mantido precisa de uma injecção de fundos acima do que a economia nacional ou dos seus utentes pode cobrir. Moçambique viu a sua terceira república aparecer mais uma vez sob o signo de populismo e de uma aparente aproximação dos seus dirigentes ao povo. Foi, pode-se agora concluir, mais uma ilusão de óptica se quisermos fazer uma análise honesta. E hoje o que se vê de novo? Uma multiplicação de deslocações presidenciais para trazer mais visibilidade à liderança do partido no poder e uma distribuição de seus membros ditos seniores por províncias. Uma presença quase que permanente destes nos territórios que lhes foram adstritos, como se pode concluir da situação concreta do País, não trouxe benefícios adicionais na esfera económica ou no desenvolvimento multifacetado do país. O mecanicismo adoptado bem ao estilo de governação soviéticos e chineses da época epopeica não trouxe as mais valias necessárias para impulsionar o desenvolvimento nacional e fomentar o surgimento dos debates incontornáveis. A tese foi mesmo a de se ‘governar’ sem se permitir debates. Aliás atitude característica e muito comum em situações em que quem dirige sofre de um grande déficit de compreensão e não domina os dossiers que em mãos. Discutir ou permitir que se discuta antes para só depois se decidir pode abrir brechas e promover a diluição de um poder que se quer forte e concentrado em poucas mãos. Essa ausência deliberada de debate levou a que os projectos de desenvolvimento escolhidos fossem adoptados sem inputs dos moçambicanos que acontece serem os que mais conhecem dos assuntos. E por sinal são também esses que se afastamda bagunça. A tese defendida pelo IESE, think-tank moçambicano, que tem demonstrado excelente qualidade de argumentos, jamais foi aceite. Os governantes que temos tido têm medo de quem pensa! Decisões tomadas nas altas esferas do poder entregaram o vale do Zambeze (o GPZ) a um coronel, antigo combatente que não conseguiu ao longo de muitos anos trazer qualquer coisa de impacto visível ou benéfico para a economia nacional. Já lá não está porque finalmente se viu o desastre económico que ali provocou. Está visto que com coronéis destes não vamos a lado nenhum! O vale do Zambeze, um autêntico monstro e gigante adormecido, continua hibernado e aparentemente fechado à iniciativa privada nacional. Sabe-se que desde os tempos coloniais havia sido feito um diagnóstico exaustivo sobre as suas potencialidades. Reactivou-se com Sérgio Vieira um GPZ, plataforma de pagamento de salários chorudos uma meia dúzia de pessoas acomodadas no luxo e em mordomias, que consumia do erário público mas não trazia os benefícios que seria normal acontecerem se houvesse uma visão e gestão de acordo com os mais básicos princípios. Agora acabou-se com o GPZ. Ficou o Vale do Zambeze. As suas potencialidades continuam adormecidas. Nesta actual onda em que o Governo procura descobrir a roda, e diz que pretende solução para a fome e pobreza no país não se fala deste vale do Zambeze? Será porque já esta reservado? Ou é pasto proibido para os moçambicanos e estrangeiros que realmente querem trazer trabalho, emprego e desenvolvimento? As iniciativas para moçambicanos de introdução ou de fomento de acções de pequena escala, tractores, sistemas de rega manual ou pedestal, juntas de boi para a lavoura, poços para abastecimento de água não vão tirar seus beneficiários da miséria. Não se pode avançar através de passos gigantes que não sejam acompanhados por um entendimento e compreensão das tecnologias advogadas, dirão uns. Mas não se pode continuar na idade da pedra lascada só porque se tem de percorrer as fases todas de desenvolvimento. Não quero advogar milagres nem terapias que alegadamente signifiquem um desenvolvimento rápido mas não sustentado do país. Até a ‘importação’ de farmeiros sul-africanos ou zimbabweanos revelou-se um fracasso. Qualquer tentativa parecida não vai significar mais moçambicanos dominando a técnica necessária para fazer as terras férteis do país produzirem. Compreender o dossier da fome crónica, da falta de utilização dos recursos existentes, da valorização da participação dos moçambicanos na procura de soluções que resolvam os seus problemas requer coragem de discutir abertamente e sem pré condições tais problemas e admitir que de outros quadrantes possam existir ideias úteis e de aplicação necessária. Faltam recursos financeiros para a agricultura mas parece que falta sobretudo o cometimento básico mas fundamental de aceitar integrar os moçambicanos na procura de soluções, sem que os moçambicanos sejam escolhidos politicamente. Cada vez que o governo vem a público anunciar pacotes de medidas surgem dúvidas quanto ao alcance das mesmas. Ninguém acredita nelas. Sem uma abordagem séria da questão de acesso a terra agrícola, como promover a agricultura comercial no país? Quem terá acesso aos créditos anunciados? Quem está acesso aos fundos alegadamente para apoio de iniciativas locais? É prerrogativa irrecusável do Executivo apresentar programas de desenvolvimento aos cidadãos, mas isso é mais do que um mero exercício de planificação. Dinheiro aparentemente existe de um Millenium Challenging Corporation mas o que se está a fazer com ele? Em termos práticos o que está a resultar da aplicação desse dinheiro? O país continua com deficit alimentar. Não será mais um PROAGRI de tão triste memória? Existem experiências comprovadamente válidas de planificação e gestão do dossier agrário em países como o Malawi ou mesmo o Zimbabwe. Porque não aprender com eles do que tentar inventar a roda? Agricultura é uma actividade que comporta riscos e que requer um saber baseado em pesquisas de longo prazo e de alocação de fundos de maneira criteriosa. Há que querer transformar os planos em realidade tangível e isto só poderá acontecer se os engenheiros saírem dos gabinetes da Praça dos Heróis em Maputo e forem distribuídos pelo país com meios para iniciarem esquemas de agricultura comercial. O salto que a agricultura em Moçambique deu nos últimos anos do colonialismo português foi à custa do fomento direccionado para a construção de infra-estruturas e para o financiamento do agricultor. Não havia muitos discursos mas após medidas tomadas estas eram aplicadas rigorosamente. Só nós os moçambicanos é que podemos eliminar o espectro da fome e da miséria que nos tira dignidade e nos coloca na posição de pedintes. Ao governo cabe com humildade e trabalho criar as condições legais e financeiras para que os investimentos aconteçam. Não tem de ser os ministros mais uma vez a abocanharem os fundos anunciados nas suas joint-ventures. Libertem o vale do Zambeze e destruam mesmo essa nulidade onerosa chamada de GPZ. Não lhe mudem apenas o nome. Tenham a coragem de entregar a “César o que a ele pertence e a Deus o que só Dele é”... Dêem aos bancos o dinheiro que tem estado a ser deitado ao lixo no GPZ para que os bancos possam dirigir os créditos a juros bonificados para os verdadeiros agricultores, com regras, com seguros, à maneira de quem quer de facto que haja agricultura em Moçambique. Precisamos de quem governe bem. Já chega de experiências e de se andar a brincar aos governos. (Noé Nhantumbo)
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