MARGARIDA ERA SEU NOME.
FAZ UNS ANOS, ENCONTREI-A NUM CONSULADO BRIGANDO PELA NACIONALIDADE DOS FILHOS. COMO EU...
É UM DIREITO DE TODOS TER UMA. INFELIZMENTE NÃO É SÓ UM DIREITO, SOMOS OBRIGADOS A TER UMA. QUEM SABE PARA TEREM PARA ONDE NOS MANDAREM DE VOLTA UM DIA.
A CABEÇA TODA BRANCA, CONTRASTAVA COM O SEU SEMBLANTE.
APRESENTEI-ME COMO PATRÍCIO, PENSANDO EM CONVIDA-LA PARA VISITAR O ENTÃO "ZAMBEZE".
A REAÇÃO FOI MEIO RÍSPIDA. "NÃO QUERO OUVIR FALAR DE PORTUGAL, PORTUGUESES, MOÇAMBIQUE, OU MOÇAMBICANOS!" "SÓ ESTOU AQUI PELOS MEUS FILHOS!"
PEDI DESCULPA E AFASTEI-ME. ELA OLHOU PARA CIMA E DEPOIS DE UM BREVE MOMENTO, VEIO SENTAR-SE PERTO DE MIM E PEDIU-ME DESCULPA PELA RESPOSTA TORTA.
DEPOIS DE ALGUNS SALAMALEQUES, ELA ME CONTOU UM POUCO DE SI.
NASCERA NUMA ALDEIA CUJO NOME NÃO CONSEGUIA SEQUER PRONUNCIAR, E QUE ACREDITAVA NÃO EXISTIR MAIS. ELA ACHAVA QUE FICAVA A NORTE DO ZAMBEZE.
OS MEUS CABELOS BRANCOS, SABE? JÁ OS TENHO DESDE OS DOZE ANOS. VIVI NOS ARREDORES DO NIASSA E DO CHIRUA. NAS CASAS ONDE MOREI, PALHOTAS MATICADAS, COBERTAS DE PALHA, ONDE POR VEZES AS COBRAS FAZIAM NINHO, MEU PADRASTO MANDAVA CAVAR BURACOS BEM FUNDOS, QUE DEPOIS ERAM COBERTOS COM A CAMA ONDE DORMIA COM OS MEUS IRMÃOS MAIS NOVOS.
NUNCA TIVE PROBLEMAS COM OS HABITANTES DAS ALDEIAS ONDE MOREI, QUE NOS ACEITAVAM COMO IGUAIS E COM QUEM BRINCAVA.
MAS... QUANDO OUVIAMOS O RONCAR DE MOTORES OU O ALERTA DE ALGUÉM PARA A PROXIMAÇÃO DE ESTRANHOS... LÁ ÍAMOS NÓS PARA O BURACO.
EU TINHA MEDO DE TODOS. DOS MILITARES, DOS TERRORISTAS, DE TODOS.
PASSEI NOITES SEM CONTA METIDA COM MEUS IRMÃOS NO BURACO, ACORDADA E REZANDO AO SOM DE MORTEIROS REBENTANDO E DOS TIROS DOS CIPAIOS.
FORAM TANTAS AS NOITES DE TERROR QUE UM DIA MEUS CABELOS FICARAM BRANCOS DE VEZ. POR ISSO... E COMEÇOU A SOLUÇAR NUM CHORO SENTIDO COMO NUNCA VI (UM SOLUÇO ME SUFOCOU TAMBÉM). ELA LEVANTOU-SE, E SEM UMA PALAVRA MAIS, SAIU.
NUNCA MAIS A ENCONTREI.