Maputo (Canalmoz) - Hoje faço anos. É Domingo e Domingo é o dia da semana que mais não gosto. Cheira-me àqueles deveres ridículos com que as pessoas se mascaram, ao mofo dos quartos, à naftalina das gavetas. O Domingo é o dia da semana onde se consagra o teatro, o carnaval, o faz de conta. É, simplesmente, um dia constrangedor. Aos Domingos o que me faz espécie observar, é aquela cambada de pecadores que vai, logo pela manhã, muito aprumadinha, à missa, sem saber que Deus descansa ao sétimo dia. Levam as bíblias entre as mãos e os rostos beatificados. Por dentro, uma alma cheiinha de pecados inconfessáveis, faltas imperdoáveis e uns trocos para enganar a igreja com a mesma fé com que a igreja engana a eles. Todos os Domingos me dou a observar esta ridícula procissão. Esses adultos aprumados na sua tarefa de se perdoarem e no trabalho de passarem aos outros a imagem de boas ovelhas. O pastor, à porta dos templos esperando-os, pelo menos em alguns, cumprimenta a facturação e pisca o olho às beatas mais dedicadas. As que dão vida ás celebrações eucaristiais dos dias úteis da semana e são as zelozas cumpridoras das tarefas paroquiais. Faladoras, por tradição, comentam as vidas alheias com perícia e profunda dedicação. Cosem, cozinham para as festas que o padre promove, são o afinado côro dominical e as devotadas catequistas em missão evangelical. Não gosto delas. Nem delas, nem daquele seu ar de pecadoras reformadas, de rebanho cansado por de baixo dos véus, de pureza reciclada. Conheço-lhes as viperinas línguas, as mambescas costuras das suas reuniões. Devotas na mentira e na difamação. Algumas, de tão redimidas, recebem dos padres a quase divina tarefa de exercer a comunhão. O que comungam com eles não sabemos, mas o que comungam com a comunidade é mais que evidente. Dos companheiros das suas vidas, jóias domésticas da fidelidade e do zelo, sabemos-lhes a pontualidade com que chegam a casa, a dedicação ao casamento e as bebedeiras do caixão à cova nos dias em que as esposas cumprem, na igreja, as tarefas inerentes à sua missão evangelizadora. São os sempre concordantes e santos mártires dominicais. Os de banho tomado, roupa passada e meticulosamente vincada com os seus grandes e inseparáveis volumes de mão. A bíblia que não lêem, o livro dos cânticos em que só fazem a terceira voz, aliás, como em casa, a catrefada de netos e dos filhos nascidos daqueles acidentes reprodutivos que a natureza e a bênção lá vão deixando acontecer nas idades que não deveriam acontecer. Porém, aos meninos e aos borrachos põe Deus a mão por baixo. E só Deus sabe porquê. Tudo isto para dizer-vos que faço anos hoje, Domingo e que, por essa razão, me desagrada o facto de já não completá-los mas acrescentá-los para diminuir o tempo que me falta viver, se ainda o tenho. Não estou nada contente, não tenho aquele ímpeto que tinha quando gostava de celebrar o meu aniversário. Este já me cheira a finta, já me parece a velhice, muito simpática, a acenar-me e a dizer: Eduardo, vem doer-te aqui. O reumático é mais suportável deste lado, a rabujice, também, o médico menos assustador, e o pé de atleta é um resumo da juventude. Odeio, incontornávelmente, esta forma de me sentir. Mas é a vida e esta ainda a vou tendo. Debilitada, mas usufruindo dela, No entretanto, repito. Não há para mim coisa mais consternadora do que descelebrar um aniversário ao Domingo. Rasga-se-me a alma, fere-se-me o encantamento que esse facto ainda me podia dar. Todavia, como calhou ser neste dia da semana, peço-vos que não me felicitem mas façam comigo uma coisa: vejam um grande espectáculo. Esforcem-se por ir à missa, por não esquecer o dízimo e depois contem-me tudo que, desse modo, estarão a dar-me as melhores prendas que um dia poderia receber no meu. Ah, e outra coisa. Rezem por mim se faz favor. Com autenticidade. (Eduardo White)
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