Maputo (Canalmoz) – O distrito de Tsangano, localizado no norte da província de Tete, tido como maior produtor de batata reno, feijões e trigo, fazendo fronteira com Malawi, regista entrada massiva de crianças com idades compreendidas entre 7 e 15 anos. Pelo menos 70 crianças entram diariamente para exercer actividades de produção nas machambas de batata, trigo e feijões, das 6 às 17 horas. Os menores são requisitados do lado de Malawi por camponeses moçambicanos que possuem grandes machambas. O recrutamento acontece sem autorização das autoridades dos dois países. Trata-se, concretamente, de menores provenientes de Nguni e Neno, no vizinho Malawi, que entram no nosso país ilegalmente e escoltados, como se de escravos se tratassem. Para a recepção dos menores, são enviados dois ou três jovens para aguardar pelos petizes nas fronteiras de Biribiri e Turn off, para posteriormente serem levados às machambas onde passam o dia a trabalhar sem repouso. As crianças são transportadas através dum camião até a fronteira onde são entregues aos moçambicanos. Segundo constatou a nossa reportagem no terreno, os petizes atravessam a fronteira do Malawi para Moçambique em direcção ao distrito de Tsangano, por volta das 4 horas de madrugada.
Outras vias de entrada
Esses petizes entram em Moçambique, usando a via de Mwenjate, como alternativa. Chegados a Moçambique, as crianças trabalham cerca de 12 horas, ininterruptamente. No fim do dia, são-lhes pagos valores monetários em moeda malawiana, que varia de 100 a 150 kwachas. Isto equivale a cerca de 20.00 Mt. Muitas vezes, grande parte do dinheiro de trabalho do dia inteiro é gasto na compra de bolinhos e bananas, entre outros produtos de alimento imediato. Depois da pobre refeição, por sinal a única do dia, segundo apurámos no local, elas são levadas a um local fechado próximo a um pequeno mercado, existente naquele local. Naquele local são instruídos para aguardarem pelo carro que os tem levado de volta à fronteira de Biribiri, onde são esperados por outros senhores, por sinal malawianos, para transportá-los para suas zonas de residência. A maior parte dessas crianças é órfã e não frequenta a escola. Apresentam características de pessoas que vivem em extrema pobreza, para além da visível situação da má nutrição. Tentámos conversar com os menores. Foi difícil, mas acabamos conseguindo. No local encontrava-se um jovem que aparenta ter mais de 25 anos de idade. Este impediu as crianças de falar à nossa reportagem. Mesmo assim, acabamos conseguindo. “Chamo-me Jakson Bwerere, tenho nove anos de idade. Vivo na zona de Neno, no Malawi. Sou órfã de pai e mãe, assim como muitas crianças aqui presentes. Estou aqui em Moçambique para trabalhar nas machambas de batata, feijão e às vezes de trigo. Somos levados do lado do Malawi com uns senhores através dum camião até a zona de Biribiri, onde somos descarregados. Violamos as fronteiras até a zona de Mwenjate já em Moçambique. Neste lugar, temos encontrado dois titios que nos levam dum camião e às vezes tem sido a pé até às proximidades da zona residencial da sede do distrito de Tsangano. Aí, somos deixados e caminhamos para as machambas. “Nas machambas, trabalhamos sem comer, sem descanso, das 6 horas até às 17 horas. Chegada essa hora, dão-nos dinheiro que varia de 100 a 150 kwachas. Os mais velhos recebem mais dinheiro”, contou o menor. A nossa conversa foi interrompida quando o jovem, ‘chefe da equipe’, se apercebeu da ausência do pequeno Bwerere. “O que estás a fazer aí? Não vens que já são horas de partida?”, disse o jovem já furioso, de quem não conseguimos apurar a identidade, mas sabemos que é moçambicano e reside na sede distrital de Tsangano.
Governo distrital confirma entrada de crianças malawianas no país
“Confirmo a entrada diária dos menores aqui no distrito, mas não se trata de crianças traficadas. Devem ser menores que vivem em condições de vulnerabilidade naquele país. Recorrem ao nosso distrito para, através do trabalho nas machambas, conseguirem o sustento”, esclareceu Ana Berssone, administradora do distrito de Tsangano. “Costumo ver o movimento massivo dos menores, principalmente nas manhãs e no fim do dia. Realmente são crianças que aparentam viver em situação de pobreza. Nós como distrito, tentaremos envidar esforços para acabar com a entrada ilegal e trabalho infantil dentro do nosso distrito. Devo dizer que estas acções passam necessariamente pela divulgação da lei sobre os direitos da criança e também teremos que entrar em conversações com as autoridades malawianas, para, em conjunto, buscarmos possíveis soluções do problema,”, prosseguiu.
Relações “azedas” entre Moçambique e o Malawi
Por outro lado, Ana Berssone reconheceu que será difícil interagir com o governo malawiano, pois, segundo ela, “as relações entre os dois países estão azedas”. Dados em nosso poder indicam que as crianças trabalham nas machambas dos senhores Honório e Dona Lúcia, tidos como grandes produtores naquele distrito. Já adquiriram, através de produção, muitos bens como é o caso de tractores, viaturas e até fizeram casas melhoradas. (Jorge Mirione)
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