Sábado, 12 Fevereiro 2011 00:00 Jeremias Langa
Fazendo uma redefinição da estratégia de desenvolvimento do país, erguendo Tete a um estatuto diferenciador do resto das províncias do país, com uma liderança forte, escolhida a dedo, e com nível de autonomia considerável na tomada de decisões estratégicas
Esta semana, tive oportunidade de ir a Tete conhecer a fundo os dois maiores projectos de carvão da companhia australiana Riversdale. Benga e Zambeze, a par de Moatize da brasileira Vale, são projectos de grande escala em desenvolvimento, que deverão (já estão na verdade) produzir profundas transformações na província de Tete, e quiçá no país todo.
Pela envergadura dos investimentos que se estão a fazer e sobretudo pela expectativa que se está a gerar entre populações que, num ápice, passam do extremo de não ter nada, para o de ter uma enorme riqueza à mão, é absolutamente crucial que as transformações que se operarem em Tete, se traduzam em significativas mudanças também na vida das comunidades.
É sobretudo fundamental que Moçambique engrosse a rara lista de excepções da chamada “maldição dos recursos naturais”. Jeffrey Sachs e Andrew Warner, dois ilustres economistas da reputada Universidade de Harvard, compararam noventa e sete economias em vias de desenvolvimento durante duas décadas (1971-1989) e chegaram à conclusão de que, com raríssimas excepções, a posse de recursos naturais está intimamente associada com o sucesso económico. A riqueza em recursos naturais compromete a modernização política e o crescimento económico dos países.
Tete e o país em geral têm a oportunidade de contrariar esta tese de fatalidade. Para isso, é absolutamente premente criar as premissas para a endogeneização das transformações que se estão a operar em Tete, assegurando que a exploração do carvão se traduz em significativas mudanças, primeiro que tudo, na vida dos tetenses, e depois do país como um todo.
Tendo aprendido dos outros, o que não pode acontecer é a “nigeriazação” do carvão de Tete, permitindo que enriqueça os detentores das licenças de exploração e algumas elites do país, em detrimento daqueles que, primeiro que todos, verdadeiramente merecem colher os dividendos da riqueza dos seus solos: as comunidades locais.
O carvão da Bacia de Moatize tem potencial para alavancar a economia moçambicana na sua globalidade. Uma primeira boa notícia: está integrado num regime tributário geral: paga todos os impostos e taxas previstos na lei, sem nenhum tratamento diferenciador. Vai ser, por isso, e ao contrário de certos megaprojectos, uma mais valia para a nossa economia.
Mas pelo longo tempo em que estará em exploração o carvão, é preciso ir mais além, ser ousado. Eventualmente, fazendo uma redefinição da estratégia de desenvolvimento do país, erguendo Tete a um estatuto diferenciador do resto das províncias do país, com uma liderança forte, escolhida a dedo, e com nível de autonomia considerável na tomada de decisões estratégicas – os casos de autonomização mais conhecidos no mundo (de que Califórnia, nos EUA, é exemplo) produziram resultados formidáveis de crescimento económico e desenvolvimento. Tete pode ser, quem sabe?, o laboratório de desenvolvimento de que o país carece para dar o salto.
Porque é fundamental que quem investe ao nível do que investem Vale e Riversdale, em Tete, presentemente, tenha um interlocutor à altura e não governantes hesitantes, burocratizantes, sempre à espera da oportunidade de tirar proveito pessoal disso.
Essa liderança deverá assegurar que o país não importa para a toda a eternidade mão-de-obra e conhecimento para explorar os imensos recursos que está a descobrir, em detrimento das populações locais. Carvão, gás e petróleo tem, antes, que ser uma oportunidade para criarmos uma capacidade que nos garanta tomarmos as rédeas do nosso próprio destino, no futuro. Não podemos perder de vista que países como Arábia Saudita, Venezuela, Nigéria, com uma imensidão de recursos, nunca foram capazes de criar essa capacidade interna para liderar a exploração dos seus próprios recursos.
O segundo grande desafio do carvão de Tete são as infraestruturas de escoamento, ainda muito limitadas, por estas alturas. Dizem os entendidos na matéria que a infraestrutura é a chave para a produção em grande escala e que, no caso da geologia da Bacia de Moatize, requer mesmo um desenvolvimento em larga escala. Isto significa que múltiplas opções de transporte são também necessárias. Por ora, só há a Linha de Sena. Daqui por alguns anos, virá a Linha de Nacala.
Precisamente por isso, o país tem que aproveitar a oportunidade que o carvão abre de financiar integralmente a sua infra-instrutura para a desenvolver, não só para a indústria mineira, mas também para outras indústrias. As próprias empresas mineiras propõem-se a financiar a construção destas infra-estruturas, como sublinhou a Riversdale. Então, por que não aproveitar?
Na verdade, olhando para os mercados potenciais deste minério, conclui-se rapidamente que a competitividade do carvão da Bacia de Moatize depende, em grande medida, das opções estratégicas que Mooçambique tomar na área de logística, as quais terão de ter necessariamente uma visão focalizada no desenvolvimento, ou seja, inúmeras minas servidas por múltiplos portos e caminhos de ferro. E se necessário, se os estudos assim o aconselharem, devemos despir os nossos dogmas e aceitar outras soluções que, antes, não estávamos preparados para as aceitar. É o caso da via fluvial, através do rio Zambeze.
Pela proximidade das minas de Benga e de Zambeze ao rio Zambeze, esta via assume um valor transcendental como alternativa de escoamento mais barata. Se os estudos confirmarem a sua navegabilidade sem efeitos nocivos ao ambiente, tenhamos a coragem de saber mudar as nossas posições anteriores. Quando é o interesse nacional que está em jogo, não há lugar para ressentimentos, nem intransigências...
http://opais.sapo.mz/index.php/opiniao/90-jeremias-langa/12282-os-desafios-do-carvao-de-tete.html