Domingo, 13 de Fevereiro de 2011
Nos últimos tempos, e após o caso-escândalo da senhora que esteve nove anos para ser descoberta, só aparecem velhinhos mortos nas suas residências. Não há bloco noticiário que não refira pelo menos uma ou duas situações diárias, a par com as habituais acusações generalizadas à insensibilidade da GNR, ao autismo dos vizinhos ou à maldade pura e dura do Ministério Público que nunca manda "investigar a fundo" os supostos "desaparecimentos", desejoso de que o índice de população rejuvenesça. Com um bocadinho de sorte, as câmaras conseguem captar um vislumbre do cadáver mumificado ou decomposto; se não, filmam o interior desarrumado da triste habitação, focando-se especialmente no lava-loiça sujo ou no colchão onde o idoso foi encontrado no seu sono final. Na pior das hipóteses, conseguem uma breve (mas nunca suficientemente breve) entrevista com uma vizinha contristada que perdigota violentamente contra o desleixo das autoridades mas que, não obstante morar na porta em frente, nunca deu conta nem do cheiro nem de nada embora tivesse achado "estranho". Neste esquisito país ainda ninguém se perguntou porque desataram aparentemente de um momento para o outro a morrer velhinhos sozinhos em casa que só são descobertos depois.
O aberrante, no entanto, é explicável: o caso da velhinha dos nove anos foi notícia e chocou o país. De um momento para o outro, dois fenómenos ocorreram: por um lado, todos começaram a ficar mais atentos a vizinhos que não viam há demasiado tempo e, eventualmente, terão dado conta do facto às autoridades, numa espécie de awareness colectivo. Estas, cheias de cagunfa das reprimendas hierárquicas ou pior, e vai de rebentar portas à sorrelfa e, de quando em vez, Jackpot!, lá encontra um velhinho a caminho da mumificação. O que não é difícil, convenhamos, num país que despreza os seus velhos e que os abandona à sua sorte quando estes deixam de lhes ser úteis.
Mas ter-se-á dado também um outro fenómeno, que acontece sempre que uma notícia "pega", digamos assim: na falta de melhor, os jornalistas agarraram nos telefones e toca de ligar para as secções dos tribunais a perguntar se foi encontrado algum velhinho morto (o que, em princípio, dá origem a um breve inquérito em sendo desconhecida a causa da morte). E há sempre um funcionário que se desbronca, orgulhoso por poder contribuir para a cultura de massas ou contente por poder contar com mais uns trocos para as bicas. Porque velhinhos que morrem sozinhos e que só são encontrados tempos depois sempre foram em barda, é a lei natural da vida - ajudada (é certo) pela lei deste país, que só permite não sei o quê se passadas vinte e quatro horas e rebentar com portas se com autorização de xis e se está disciplinarmente a cagar para se o GNR com um perímetro abdominal superior à rotunda do Rossio levanta ou não o cu do balcão da tasca para ir averiguar do paradeiro desconhecido de uma octogenária.
Agora, não nos façam passar por parvos: mais meia dúzia de velhinhos mortos e ainda vêm com a teoria de que anda para aí algum vírus alienígena a matar gente com mais de setenta anos que viva fechada nos seus apartamentos. Depois, era uma chatice: chamavam logo aquele padre dos extra-terrestres de Fátima (não me vem agora o nome), a tarada da psicóloga das criancinhas, que tem sempre qualquer coisa a dizer (aquela parecida com a Jane Goodall, sem ofensa para esta), e com um bocado de sorte o Moita Flores ainda fazia uma perninha. Por favor, chega.
escrito na areia por Vieira do Mar
In:http://controversamaresia.blogs.sapo.pt/255544.html